Lisboa, Portugal — O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, desembarca no Brasil neste sábado, 2 de julho, numa tentativa clara de incrementar as relações entre os dois países, que, do ponto de vista político, nunca estiveram tão distantes. Não há, por parte do governo brasileiro, movimentos claros e consistentes no sentido de estreitar os laços com os lusitanos. O presidente Jair Bolsonaro é o primeiro chefe do Executivo a não visitar Portugal desde o início do atual regime democrático. E isso não passa despercebido na diplomacia portuguesa.
O momento para a viagem de Marcelo de Souza ao Brasil é singular. Neste ano, comemora-se o bicentenário da independência brasileira do país europeu. Tanto no Brasil quanto em Portugal, as comemorações envolvem grandes eventos, mesmo com o distanciamento do Palácio do Planalto. A meta, pelo menos do lado do governo português, é explicitar o quanto as relações com o Brasil são importantes.
Mais do que isso: há um fluxo enorme de brasileiros para Portugal. E, desta vez, são os endinheirados que estão aportando do outro lado do Atlântico de olho nas boas condições de vida por lá, a começar pela segurança.
Os brasileiros são o maior grupo de estrangeiros vivendo em Portugal, — um terço do total. Oficialmente, são quase 205 mil, mas se estima uma comunidade superior a 300 mil cidadãos. O país presidido por Marcelo de Souza também está interessado na mão de obra brasileira, desde a menos qualificada até à ligada ao setor de tecnologia. Nos últimos 10 anos, mesmo com todo o processo migratório, Portugal viu sua população encolher em mais de 500 mil pessoas, totalizando pouco mais de 10 milhões de habitantes.
Os jovens portugueses ainda preferem partir para outros países europeus assim que pegam o diploma. Reclamam dos baixos salários no país — o piso é de 705 euros (cerca de R$ 4 mil).
Não à toa, o governo português propôs ao Parlamento recentemente um projeto que flexibiliza as regras para a entrada de trabalhadores estrangeiros no país. A perspectiva é de que todas as propostas sejam aprovadas sem restrições, uma vez que o Partido Socialista (PS), que está no comando da administração, tem maioria no Congresso. Mas que fique claro: mesmo com todas as facilidades, aqueles que se candidatarem a vagas em Portugal devem ter o mínimo de condições de se sustentarem. Foi-se o tempo de um país barato para se viver. A inflação não dá trégua, girando entre 8% e 9% ao ano, as taxas de juros têm subido e os preços dos imóveis e dos aluguéis assustam até os portugueses.
Eleições e crise
O presidente português também aproveitará a visita ao Brasil para se inteirar mais de perto da política, especialmente das eleições presidenciais marcadas para outubro. Além do encontro com Bolsonaro, tem agendado conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de votos, e deve se encontrar com outros dois outros pré-candidatos, Ciro Gomes, do PDT, e Simone Tebet, do MDB, se a agenda permitir. No governo português, ninguém se atreve, oficialmente, a prever os resultados das eleições. Mas, nos bastidores, a torcida é pela derrota de Bolsonaro.
É importante ressaltar que, também, em Portugal, a situação política não é das melhores. O primeiro-ministro, Antonio Costa, do PS, quase demitiu o seu mais poderoso ministro, Pedro Nuno Santos, da Infraestrutura, que havia soltado um despacho sobre o novo aeroporto de Lisboa sem combinar o jogo com o chefe e com o PSD, partido com o qual o governo tem procurado manter boas relações. E não será surpresa se a ministra da Saúde, Marta Temido, for afastada ante a grave crise no sistema público de saúde. A situação é tão complicada que o governo teve que suspender atendimento a grávidas para tentar desafogar o sistema.
Certamente, nem de um lado, nem do outro, haverá manifestações que possam causar constrangimentos. No governo brasileiro, a ordem é se concentrar no lado bom da história. Do ponto de vista do governo português, a determinação é para que a agenda de Marcelo de Souza seja propositiva. Logo na chegada ao Brasil, neste sábado, haverá comemorações no Rio de Janeiro sobre os 100 anos da primeira travessia aérea do Atlântico. De lá, o presidente lusitano partirá para São Paulo, para a abertura da Feira do Livro. Dois dias serão reservados a agendas em Brasília.
Economia
Ex-presidente português, Aníbal Cavaco Silva diz que Brasil e Portugal têm muito a caminhar juntos. Mas é preciso que haja disposição dos dois países de superarem as divergências da última década. “Não há como pensar no futuro sem resolver os problemas presentes”, afirma. “É preciso ultrapassar da questão de afeto, sentimental, para questões práticas, como a comercial”, emenda. Para ele, não é possível que, sendo o Brasil a 12ª economia do planeta, a primeira da América Latina, integrante do G20 e o quinto do mundo em extensão territorial, responda por apenas 1% das exportações globais e seja apenas o 13º parceiro comercial de Portugal. “Falta complementariedade entre os dois países”, acredita.
Ele ressalta que, ao longo de 20 anos, teve contato com seis presidentes brasileiros, de José Sarney a Michel Temer. E, nesse período, houve muitos avanços, sobretudo na questão cultural, que resultou na criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que agrega as nações africanas onde o português é a língua oficial. Contudo, do ponto de vista econômico, os avanços foram tímidos. “O Brasil, por exemplo, representa apenas 2% dos Investimentos Estrangeiros Diretos em Portugal. Já Portugal responde por apenas 4% dos Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil”, afirma.
Vitalino Canas, presidente do Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), lembra que, entre os anos de 1990 e 2000, houve um grande fluxo de investimentos de empresas portuguesas para o Brasil, atraídas pelos programas de privatizações dos setores de infraestrutura, em especial, telecomunicações, energia e rodovias. Muito desse movimento foi incentivado pelo governo português, mas as companhias não estavam preparadas o suficiente para atuar num mercado do tamanho do Brasil. “Grandes e pequenas empresas foram à falência”, afirma. “Mas creio que, hoje, as parcerias entre empresas dos dois país se darão em condições muito melhores. São muitas as oportunidades, como, por exemplo, em energias renováveis”, acrescenta.
Miguel Relvas, ex-ministro português de Assuntos Parlamentares, filiado ao PSD, também vê espaço para que Brasil e Portugal fortaleçam os laços econômicos. “Há potenciais dos dois lados”, frisa. Ele acredita que, depois das frustrações dos últimos anos, tanto os empresários brasileiros quanto os portugueses aprenderam a lição. “O Brasil é um mercado chato para se trabalhar. E as empresas portuguesas foram muito arrogantes ao irem para lá, até porque não tinham nada a ensinar aos brasileiros. Pior: não souberam selecionar os parceiros e subestimaram a concorrência”, diz. Ele assinala que, quando se trata de negócios, as barreiras ideológicas não podem ser impeditivos. “O Brasil terá eleições neste ano, ganhe direita ou ganhe esquerda, o potencial econômico se mantém.”
UE, Mercosul e guerra
O governo português tem a exata noção de que a parceria econômica com o Brasil é estratégica. Não por acaso, tem defendido, abertamente, a aprovação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que foi assinado depois de 20 anos na geladeira. Pela União Europeia, a maior resistência ao acordo está na França, que tem colocado a política ambiental brasileira como empecilho para o estreitamento comercial entre os dois blocos. “Esse acordo é o maior instrumento para ampliar as relações entre Brasil e Portugal”, afirma Cavaco Silva.
Antonio Ramalho Eanes, ex-presidente de Portugal, reforça que o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul só não saiu por falta de vontade política. Portanto, cabe aos 27 integrantes da UE convencerem seus parlamentos a ratificarem o processo de união dos blocos. A meta, com esse acordo, é que Portugal seja a porta de entrada dos produtos brasileiros na Europa, mais precisamente o Porto de Sines, ao sul do país. Hoje, o grosso das mercadorias entra por meio do Porto de Roterdã, na Holanda, para, então, serem distribuídas aos demais mercados compradores.
“Portugal aposta muito no eixo União Europeia”, acrescenta Francisco Seixas da Costa, ex-embaixador de Portugal no Brasil. Para ele, o caminho é que o bloco estreite as relações com a América Latina, em especial, e com o Brasil, em particular. Mas ressalta que, com a guerra na Ucrânia, a Europa passou a olhar mais para o mercado interno, processo que ganhou força com a pandemia do novo coronavírus e, agora, se acelerou. Apesar dessa mudança de postura, Paulo Portas, ex-ministro de Governo de Portugal, frisa que o Brasil será um ator fundamental para atender as necessidades da Europa e do mundo na crise alimentar que já assombra o planeta. “O Brasil tem quase tudo que o mundo precisa”, sentencia.
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