Era tarde de segunda-feira (noite em Brasília), quando um grito de socorro chamou a atenção do funcionário de um prédio nos arredores de San Antonio, no Texas. Ao se aproximar de um caminhão abandonado em uma estrada, ele se deparou com uma pilha de corpos e com adultos e crianças acometidos pela insolação e pela exaustão. Os detalhes de uma das maiores tragédias envolvendo a imigração ilegal na história dos EUA comoveram o mundo.
Pelo menos 50 pessoas morreram — 22 do México, 7 da Guatemala, dois de Honduras e 19 com a nacionalidade desconhecida. Dezesseis foram hospitalizadas. O presidente Joe Biden lamentou a "trágica perda de vidas", classificou o incidente como "horrível e comovente" e prometeu caçar os criminosos que lucram com a imigração ilegal.
"Os relatos iniciais indicam que essa tragédia foi causada por contrabandistas ou traficantes de seres humanos que não têm consideração pelas vidas que colocam em risco e exploram para fazer o lucro", declarou Biden. "Esse incidente sublinha a necessidade de se perseguir a indústria criminosa multibilionária do contrabando, que ataca os imigrantes e leva a muitas mortes de inocentes. (...) Explorar pessoas vulneráveis pelo lucro é vergonhoso, assim como a arrogância política em torno da tragédia", acrescentou.
Na noite de segunda-feira, o republicano Greg Abbott, governador do Texas, culpou Biden pelas mortes, ao acusá-lo de abrir as fronteiras com o México. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, desabafou: "É uma tremenda desgraça". Em 20 de julho, ele e Biden terão uma reunião bilateral, durante a qual o tema da migração será "central, básico". Por sua vez, o papa Francisco expressou sua "dor". "Rezemos juntos por estes nossos irmãos mortos enquanto seguiam a esperança de uma vida melhor; e, por nós, para que o Senhor nos abra o coração e essas desgraças não aconteçam mais", pediu o pontífice.
Por e-mail, Barbara Hines, advogada especialista em imigração e professora da Universidade do Texas, afirmou ao Correio que o governador Abbott tem politizado todas as decisões relacionadas à imigração. "A migração irregular existe há décadas, sob gestões de presidentes democratas e republicanos. Isso não tem a ver com a abertura de fronteiras. De fato, se elas estivessem abertas, sob um sistema de migração humano e coerente, as pessoas não seriam forçadas a recorrer a meios tão drásticos e perigosos para chegarem aos EUA", explicou.
Asilo
Hines crê que, para evitar tragédias do tipo, o Congresso deve adotar políticas migratórias mais humanas e sistemáticas que expandam o sistema de asilo. "É preciso viabilizar medidas para a entrada de trabalhadores e para a reunificação familiar. Para que ela ocorra, o Capitólio deve primeiro regularizar os migrantes que vivem nos EUA há décadas. Todas essas medidas receberam a oposição dos republicanos no Congresso. O México deve adotar medidas políticas e econômicas para que seus cidadãos não se sintam obrigados a a correr os riscos que resultaram neste terrível acontecimento", defendeu a estudiosa.
Especialista em fronteira dos EUA pela organização não governamental Human Rights Watch (HRW), Ari Sawyer admitiu à reportagem que o governo Biden tem, de forma reiterada, usado políticas para derrubar o sistema de asilo. "Isso leva pessoas desesperadas a tentarem a travessia. A migração nunca vai parar e, de fato, tende a aumentar, graças a violações dos direitos humanos em países de origem, a danos e desastres ambientais, e à desigualdade econômica. Levar as pessoas a morrer é uma escolha."
Segundo Sawyer, apesar de autoridades americanos terem se apressado a incriminar contrabandistas, "elas são as verdadeiras culpadas". Ela lembra que, por três décadas, os EUA lançaram ações destinadas a tornar a migração o mais punitiva possível. "Ao mesmo tempo, desativaram rotas seguras e legais. A tragédia em San Antonio foi o resultado previsível das políticas migratórias letais dos EUA."
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