Assim que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro, Iegor Soboliev, 45 anos, resolveu voltar a lutar por sua nação. Dessa vez nas trincheiras. Em 2014, o então chefe do Comitê Anticorrupção do Verkhovna Rada (Parlamento unicameral) saiu às ruas e ajudou a liderar o Euromaidan — a onda de protestos que explodiu na Ucrânia, entre 21 de novembro de 2013 e 23 de fevereiro de 2014, e terminou com 108 mortos. Uma das demandas do movimento foi a entrada do país na União Europeia (UE). "Com frequência, converso com os companheiros mortos no Euromaidan. Eles são meus anjos e supervisores. Tenho certeza de que estão orgulhosos", contou Soboliev ao Correio, a partir do front, no sul do território ucraniano. Ontem, em Bruxelas, os 27 países-membros da UE acordaram conceder à Ucrânia e à Moldávia o status de candidatos à adesão ao bloco.
"É um momento histórico. O dia de hoje marca um passo crucial em seu caminho em direção à UE. (...) Nosso futuro é juntos", celebrou Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. Por sua vez, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (órgão executivo da UE), disse que ontem foi um "bom dia" para a Europa e parabenizou os presidentes Volodymyr Zelensky (Ucrânia) e Maia Sandu (Moldávia). "Seus países são parte de nossa família europeia. A decisão histórica dos líderes confirma isso", assegurou. Von der Leyen considera que a decisão fortalece a própria Europa, diante do "imperialismo russo". "Ela mostra ao mundo que estamos unidos e fortes, ante ameaças externas."
Zelensky comemorou o anúncio. "É um momento único e histórico nas relações entre a Ucrânia e a UE. O futuro da Ucrânia se encontra no seio da UE", declarou. O líder francês Emmanuel Macron, cujo país exerce a presidência rotativa da UE, viu o anúncio do bloco como um "sinal muito forte" para o Kremlin e um "gesto político" de uma "Europa forte e unida". A decisão do bloco foi tomada na véspera em que a guerra completa quatro meses. A adesão plena deve levar alguns anos até a efetivação.
Diretora da AutoMaidan, uma ONG surgida em 2013, em Kiev, durante o Euromaidan, Kateryna Butko afirmou ao Correio que a candidatura da Ucrânia é um "evento extremamente importante". "Principalmente se considerarmos o preço que temos pago e que continuamos a pagar. Nós estamos lutando, literalmente com nosso sangue, pelo direito de estar na Europa e no mundo civilizado", disse. Ela aposta que a Ucrânia será capaz de se tornar membro pleno do bloco. "A União Europeia estabeleceu um número de exigências que devem ser cumpridas pela Ucrânia, a fim de manter a candidatura. Elas são muito significativas para a nossa nação, independentemente do status da UE. Em particular, a luta contra a corrupção e a reforma judicial. Este não é o primeiro ano em que a sociedade civil saiu em defesa dessas reformas, pois elas são a chave para o funcionamento adequado do país", comentou Butko.
Saiba Mais
Peter Zalmayev, diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), os ucranianos aguardavam a decisão desde 2012. "O pedido de candidatura da Ucrânia foi o que levou ao Euromaidan. Na época, a Rússia não queria permitir o status de candidata a Kiev. Agora, Vladimir Putin (presidente russo) sinalizou não se importar com a entrada na UE", disse à reportagem. De acordo com ele, a decisão pode levar entre 5 e 10 anos até que a Ucrânia se torne membro da União Europeia. "É preciso lembrar que a Turquia bateu às portas da UE por três décadas. Outra preocupação é o fato de que dois países esperam há mais tempo: a Albânia e a Macedônia do Norte. Seria injusto aceitar a adesão da Ucrânia antes da admissão dessas nações."
Exigências
Zalmayev lembra que há muitas etapas a cumprir. "A Ucrânia precisa atender a cerca de 8 mil páginas de regulamentos. É uma burocracia do tamanho de um mamute. Muito ainda precisa ocorrer antes de adesão se tornar realidade, mas trata-se de um voto de confiança na Ucrânia enquanto nação europeia", admitiu o especialista. Ele analisa a decisão como um voto de confiança de que Kiev se distancia de Moscou. "É um sinal de que a maioria esmagadora de ucranianos apoia esse caminho para além da Rússia e para mais perto da Europa democrática liberal."
Também em Kiev, Petro Burkovsky — analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv — admite que o status de candidato para a Ucrânia representa uma imensa derrota geopolítica para a Rússia. Segundo ele, com a manobra, a UE rejeita a demanda russa de isolar a Ucrânia na própria esfera de influência e confirma que não cederá à pressão e à chantagem russa. Mas ele também vê benefícios práticos e mais imediatos. "Trata-se de um compromisso do bloco em apoiar a Ucrânia com dinheiro e armas, e, depois da guerra, ajudar na reconstrução do país. O estatuto como candidato inclui exigências para que o governo ucraniano realize reformas judiciárias e implemente políticas anticorrupção."