No dia seguinte à vitória do ex-guerrilheiro e senador Gustavo Petro, o presidente Iván Duque se comprometeu, na segunda-feira (20/6), em assegurar uma passagem de poder tranquila para o primeiro governo de esquerda na Colômbia. "Todo o nosso apoio para garantir uma transição transparente, eficaz, harmônica e pacífica pelo bem do país", disse o conservador em uma intervenção virtual no XV Fórum Atlântico, que acontece na Casa América de Madri, na Espanha.
Aos 62 anos, Petro se elegeu em um segundo turno disputado com o 'outsider' milionário Rodolfo Hernández, de 77, com 50,4% da preferência do eleitorado, uma diferença de 700.601 votos. Diante da polarização do país, de 50 milhões de habitantes, o futuro ocupante da Casa de Nariño prometeu durante seu discurso de vitória um "grande acordo nacional" sem vingança, onde se encaixem essas "duas Colômbias".
"A primeira coisa que deve ser reconhecida para defender a democracia é quando há um pronunciamento popular. Claramente os colombianos elegeram um novo presidente ontem (domingo)", disse Duque no bate-papo virtual com o escritor hispano-peruano Mario Vargas Llosa.
O Nobel de literatura indagou o atual presidente sobre a vitória de Petro, depois de expressar seu desejo de que a eleição seja "apenas um acidente corrigível". "Que esses elementos centrais da Constituição sejam salvaguardados, protegidos e, para isso, a sociedade, o setor privado e todos os cidadãos estaremos sempre sendo exigentes", respondeu o presidente colombiano.
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Reformas
Opositor ferrenho do impopular governo de Duque, Petro — prefeito de Bogotá entre 2012 e 2015 — enfrenta as desconfianças das elites que tradicionalmente governam o país, que temem que reformas possam afetar a propriedade privada e levar o país a um socialismo fracassado. Com promessas de fortalecer o Estado, aumentar impostos sobre os ricos e suspender a exploração de petróleo diante da crise climática, conquistou o apoio dos jovens — protagonistas de protestos massivos nos últimos três anos — e dos setores mais vulneráveis.
A partir de 7 de agosto, quando tomar posse ao lado de Francia Márquez, que também fará história como a primeira vice-presidente negra da Colômbia, Petro terá que responder aos desafios de uma grave crise. Empobrecido pela pandemia, com a maior produção de cocaína do mundo, o país também vem sendo castigado pelo ressurgimento da violência que se seguiu ao acordo de paz assinado em 2016 com a ex-guerrilha das Farc.
Por ontem ter sido feriado no país, a reação da bolsa e do mercado de câmbio ao triunfo da esquerda na quarta maior economia da América Latina será conhecida hoje. Nesse meio tempo, Francia Márquez, uma ambientalista de 40 anos, reforçou a mensagem de união de Petro. "O passo da reconciliação é com 50 milhões de colombianos; é com todos que vamos avançar na reconciliação, na paz, no fim das lacunas da desigualdade", disse à Rádio W. A vice anunciou que se ocupará desses temas em um futuro Ministério da Igualdade.
O presidente eleito propõe fortalecer o Estado, transformar o sistema de saúde e pensões e suspender a exploração petroleira para dar espaço às energias limpas diante da crise climática. Também durante a campanha, anunciou que restabelecerá relações com a Venezuela, rompidas desde 2019, implementará o acordo de paz de 2016 com as extintas Farc e conversará com o Exército de Libertação Nacional, a última guerrilha reconhecida no país.
No Congresso, Petro contará com uma bancada importante, mas sem garantir maiorias. O senador Roy Barreras, muito próximo ao presidente eleito, disse ontem que a coalizão que apoia o próximo governo fará pontes com outras forças. "O que vem agora é a formação de maiorias parlamentares que permitam concretizar estas reformas", indicou à rádio Caracol.
Barreras também afirmou que a nova administração enviará "sinais claros" de sua seriedade e responsabilidade, em alusão à nomeação do gabinete ministerial. Em campanha, Petro anunciou que nomearia ministros de outras tendências, diante da expectativa para as pastas de Economia e Defesa.
Petro será o primeiro ex-guerrilheiro a dirigir uma força armada com cerca de 400 mil militares e policiais, a segunda maior da região depois do Brasil, em meio ao conflito com grupos armados financiados pelo tráfico de drogas e mineração ilegal. No fim de abril, Petro acusou membros da cúpula militar de aliança com o Clã do Golfo, o maior grupo de narcotráfico do país.
Em resposta, o comandante do exército, general Eduardo Zapateiro, o acusou de "politicagem", em uma incomum intervenção política em um país onde a Constituição proíbe a força de segurança pública de participar no debate político e votar. "A desconfiança entre o presidente e os militares é significativa", destacou o analista Sergio Guzmán, da consultoria Colombia Risk Análisis.
Nesse cenário, Guzmán opinou que o esquerdista "terá que escolher um ministro da Defesa que tenha o respeito e a confiança dos membros das Forças Militares". Em caso contrário, destacou, a transição será um "desastre".