Com duração de 12 meses, o experimento iniciado na última quinta-feira deve envolver adultos oriundos de rotas "perigosas ou desnecessárias". Para o primeiro-ministro, Boris Johnson (Partido Conservador), a medida seria importante para "garantir que solicitantes de asilo simplesmente não sumam pelo país".
Para críticos da medida, o governo britânico trata essas pessoas como se fossem criminosos. Quem for flagrado trabalhando e/ou vivendo ilegalmente no Reino Unido é convidado a sair do país espontaneamente. Se isso não acontecer, a lei prevê deportação, mas há o risco de detenção antes de a deportação ser concretizada.
O projeto-piloto do rastreamento surge poucos dias depois de outra estratégia controversa quase ter saído do papel: o primeiro envio aéreo de solicitantes de asilo para outro país, Ruanda, acabou suspenso de última hora por causa da Corte Europeia de Direitos Humanos.
As primeiras pessoas a serem rastreadas eletronicamente devem ser aquelas que conseguiram evitar com sucesso a deportação naquele voo para Ruanda.
Segundo o governo, o rastreamento eletrônico visa melhorar tanto o contato regular com pessoas que solicitam asilo quanto o andamento desse pedido. Por outro lado, a medida também coletaria dados sobre quantas pessoas escapam de todo esse processo e das autoridades.
As pessoas a serem monitoradas de forma eletrônica pode ser submetidas a toques de recolher, por exemplo, e aquelas que não sigam as determinações podem ser detidas ou responder a acusações criminais, por exemplo.
O governo alega que aquelas pessoas que são informadas de que serão deportadas do Reino Unido tendem a ter um risco maior de fuga e menos incentivos para cumprir com as exigências determinadas durante a fiança (ou seja, ficam soltas enquanto aguardam a resposta do governo sobre o pedido de asilo).
Aqueles com o dispositivo de rastreamento de localização serão obrigados a se apresentar regularmente a um centro de imigração ou a uma delegacia de polícia.
Não está claro ainda quais serão os critérios adotados para determinar quem deve ser ou não rastreado de forma eletrônica. Mas o governo diz que isso não será feito com crianças nem com mulheres grávidas.
Assistentes sociais envolvidos no programa devem levar em conta também se o dispositivo causa sérios danos à saúde mental ou física da pessoa, ou se ela foi vítima de tortura ou escravidão moderna antes de chegar ao país, por exemplo. O governo diz, no entanto, que esses fatores, por si só, não evitariam a adoção do dispositivo.
Segundo Boris Johnson, o Reino Unido "é um país muito acolhedor e generoso, mas é importante distinguir as pessoas que chegam ilegalmente".
"É isso que estamos fazendo com nossa política de Ruanda. É isso que estamos fazendo para garantir que os solicitantes de asilo não possam simplesmente sumir pelo país."
Para o líder do Partido Trabalhista, Sir Keir Starmer, o governo de Johson está tentando "chamar atenção da imprensa" e sua estratégia não será capaz de impedir que gangues criminosas continuem com o tráfico de pessoas através do Canal da Mancha (entre a Inglaterra e a França).
Starmer cobrou do governo uma resposta "séria e adulta" em conjunto com as autoridades francesas.
Enver Solomon, presidente-executivo do Conselho de Refugiados, disse que é "terrível" que o governo esteja tratando as pessoas que fogem de "guerra, derramamento de sangue e perseguição" como criminosas.
"Esta abordagem draconiana e punitiva não só não mostra compaixão por pessoas muito vulneráveis, como também não fará nada para deter aqueles que procuram desesperadamente segurança no Reino Unido."
Ele disse que o experimento com dispositivos de rastreamento eletrônico é uma "tática diversionista" do "completo fracasso do governo em administrar o sistema de asilo de maneira organizada". Segundo Solomon, há mais de 100 mil pessoas aguardando decisão sobre seus pedidos de asilo.
Tony Smith, ex-chefe da Força de Fronteira, disse à BBC que acha que rastrear aqueles que podem ser deportados é, a princípio, uma medida "sensata", mas ele precisaria de mais detalhes sobre que critérios serão adotados nessa estratégia.
Para a ministra do Interior, Priti Patel, a decisão do tribunal foi "absolutamente escandalosa", sem transparência e com "motivações políticas.
"Não sabemos quem são os juízes, não sabemos quem é o painel, não tivemos um julgamento — apenas um comunicado de imprensa e uma carta dizendo que não podemos mover essas pessoas sob a regra 39", disse ela ao jornal britânico Daily Telegraph.
Boris Johnson classificou a decisão do tribunal europeu como um "estranho soluço de última hora" e ressaltou que o governo não considera ilegal a decisão de deportar imigrantes para Ruanda.
Segundo o governo, a estratégia de dar uma passagem só de ida para Ruanda para solicitar asilo lá desencorajaria outras pessoas a cruzarem o Canal da Mancha. Mas o Ministério do Interior não soube dizer ainda com precisão os resultados da estratégia.
Estatísticas oficiais apontam que, no ano passado, 28.526 indivíduos atravessaram o Canal da Mancha em pequenas embarcações, ante 8.404 pessoas em 2020.
Só no dia 13/04, cerca de 600 requerentes de asilo cruzaram o Canal e, segundo Johnson, o número pode chegar a mil por dia nas próximas semanas.
A BBC viu o alojamento em que esses indivíduos serão colocados, que se acredita ter espaço para cerca de 100 pessoas por vez e processar até 500 imigrantes por ano.
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61852965
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