Desde que a Rússia atacou a Ucrânia há quase quatro meses, milhares de civis foram mortos e cidades inteiras reduzidas a escombros, enquanto milhões de ucranianos fugiram de suas casas.
Mas na quinta-feira (17/6), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, olhando nos meus olhos, me afirmou que as coisas não eram o que pareciam.
"Não invadimos a Ucrânia", afirmou.
"Declaramos uma operação militar especial porque não tínhamos absolutamente nenhuma outra maneira de explicar ao Ocidente que arrastar a Ucrânia para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental) era um ato criminoso."
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, Lavrov deu apenas algumas entrevistas à imprensa do Ocidente.
Ele repetiu a linha oficial do Kremlin de que havia nazistas na Ucrânia. As autoridades russas muitas vezes alegam que seus militares estão "desnazificando" o país. Lavrov causou alvoroço recentemente quando tentou justificar o insulto nazista em relação ao presidente da Ucrânia, que é judeu, fazendo a ridícula afirmação de que Adolf Hitler (líder nazista) tinha "sangue judeu".
Mencionei para ele um relatório oficial das Nações Unidas sobre a vila ucraniana de Yahidne, na região de Chernihiv, que afirma que "360 moradores, incluindo 74 crianças e cinco pessoas com deficiência, foram forçados pelas forças armadas russas a permanecer por 28 dias no porão de uma escola... Não havia banheiro, água... 10 idosos morreram".
"Isso é lutar contra nazistas?", questionei.
"É uma pena", respondeu Lavrov, "mas diplomatas internacionais, incluindo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, o Secretário-Geral da ONU e outros representantes da ONU, estão sendo pressionados pelo Ocidente. E, muitas vezes, estão sendo usados para amplificar notícias falsas espalhadas pelo Ocidente."
"A Rússia não está completamente limpa. A Rússia é o que é. E não temos vergonha de mostrar quem somos."
Lavrov, de 72 anos, representa a Rússia no cenário internacional há 18 anos — e é um dos alvos, junto com sua filha, das sanções ocidentais anunciadas após a invasão à Ucrânia.
Os EUA o acusaram de perseguir uma falsa narrativa da Ucrânia como agressora e de responsabilidade direta pela invasão da Rússia como membro de seu Conselho de Segurança (CS).
Voltei-me então para as relações russas com o Reino Unido, que está na lista oficial de países hostis da Rússia. Sugeri que dizer que as relações eram ruins era um eufemismo.
"Acho que não há mais espaço para manobra", disse Lavrov, "porque tanto (o primeiro-ministro Boris) Johnson quanto (Liz) Truss (chanceler britânica) dizem abertamente que devemos derrotar a Rússia, devemos forçar a Rússia a se ajoelhar. Vá em frente, então, faça isso!"
Foi no mês passado que a secretária de Relações Exteriores do Reino Unido disse que o russo Vladimir Putin estava se humilhando no cenário mundial e que "devemos garantir que ele enfrente uma derrota na Ucrânia".
Quando perguntei a Lavrov como via o Reino Unido agora, ele disse que o país estava "mais uma vez sacrificando os interesses de seu povo por causa de ambições políticas".
Perguntei-lhe sobre dois britânicos recentemente condenados à morte por separatistas russos no leste da Ucrânia ocupado.
Quando apontei que, aos olhos do Ocidente, era a Rússia a responsável por seu destino, Lavrov respondeu: "Não estou interessado nos olhos do Ocidente. Estou interessado apenas no direito internacional. No direito internacional, os mercenários não são reconhecidos como combatentes."
Retruquei que os homens serviram nas forças armadas ucranianas e não eram mercenários, e Lavrov disse que isso deveria ser decidido por um tribunal.
Ele então acusou a BBC de não descobrir a verdade sobre o que estava acontecendo com civis em áreas controladas por separatistas no leste da Ucrânia, "quando estes estavam sendo bombardeados pelas tropas de Kiev por oito anos".
Enfatizei que, ao longo de seis anos, a BBC havia muitas vezes contatado a liderança nas áreas controladas pelos separatistas pedindo permissão para ir ver o que estava acontecendo. Nos foi recusada a entrada todas as vezes.
A Rússia acusou a Ucrânia de genocídio. No entanto, em 2021, oito civis foram mortos nas áreas controladas pelos rebeldes, segundo "oficiais" pró-russos autoproclamados, e sete no ano anterior. Embora cada morte fosse uma tragédia, disse, isso não constituía um genocídio.
Acrescentei que, se o genocídio realmente tivesse ocorrido, os separatistas de Luhansk e Donetsk estariam interessados ??em que fôssemos para lá. Por que, então, não nos permitiram a entrada, perguntei.
"Não sei", disse Lavrov.
'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61838948'
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