Depois de a Corte Europeia de Direitos Humanos impedir, no último minuto, o primeiro voo de expulsão de migrantes ilegais para Ruanda, a 6.500km de Londres, o Reino Unido busca meios de contornar a proibição e retomar o polêmico projeto. "Já começaram os preparativos" para organizar um próximo voo, disse aos deputados a ministra do Interior, Priti Patel, determinada a encontrar uma forma de implementar o programa. "Não aceitaremos que não temos o direito de controlar as nossas fronteiras", afirmou, garantindo que o Reino Unido é "um país generoso, cuja capacidade de acolhida se vê ameaçada por aqueles "que chegam ilegalmente e furam a fila porque têm recursos para pagarem os traficantes".
"A inação não é uma opção", advertiu Patel, ao citar a possibilidade de "reformar o sistema". No entanto, ela não deu detalhes a respeito. Por sua vez, durante a sessão semanal de perguntas no Parlamento, o premiê britânico, Boris Johnson, se limitou a defender "as pessoas que estão aqui de forma segura e legal". Na terça-feira, porém, acusou os advogados de migrantes clandestinos de "instigarem o trabalho dos grupos criminosos" de tráfico de pessoas. "Será necessário mudar algumas normas para nos ajudar a avançar? É muito possível que sim. Todas estas opções estão em constante revisão", declarou.
O programa eleitoral, que, em 2019, deu a Johnson o melhor resultado do Partido Conservador britânico em 40 anos, incluiu o compromisso de "atualizar a Lei de Direitos Humanos e a lei administrativa para garantir que haja um equilíbrio adequado entre os direitos das pessoas, nossa segurança nação vital e um governo eficaz". Ontem, levantaram-se vozes pedindo a saída da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Totalmente independente da União Europeia, ela está gravado na legislação britânica desde 1998. "Vamos nos retirar do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e pôr fim a sua intromissão na legislação britânica", tuitou a deputada conservadora Andrea Jenkyn.
Guinada dramática
As travessias marítimas de migrantes para a Inglaterra com saída da costa francesa não param de aumentar: anteontem foram registradas 444; desde o início do ano, são mais de 10 mil. Na tentativa de dissimulá-las, Patel anunciou, em abril, um acordo com Ruanda para que acolhesse migrantes e solicitantes de asilo que tenham chegado ao Reino Unido de forma ilegal. O acordo prevê o pagamento de US$ 157 milhões (o equivalente a R$ 792 milhões) por parte do governo britânico.
As Nações Unidas, a Igreja Anglicana, as ONGs de defesa dos refugiados e dos direitos humanos denunciaram esta política como "ilegal" e "imoral", e várias associações tomaram medidas legais para impedi-lá. O primeiro voo, fretado junto à companhia espanhola Privilege Style, deveria partir na noite de terça-feira. Mais de 130 migrantes — sírios, afegãos, albaneses e egípcios, entre outros — foram notificados de sua expulsão para um país com um histórico preocupante em termos de direitos humanos, segundo a ONG Care4Calais.
Em uma reviravolta de última hora, um dos sete imigrantes, procedente do Iraque, conseguiu que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos bloqueasse sua deportação temporariamente até que a legalidade fosse totalmente analisada. Isso causou uma inesperada aprovação em cadeia de congelamentos para os outros seis, e o voo acabou ancelado após as 22h locais (17h de Brasília), para raiva e humilhação de um governo britânico que, desde o Brexit, busca distanciar-se da Justiça europeia a todo o custo.