França

Partido de extrema-direita da França deve formar grupo rígido no parlamento

Reagrupamento Nacional, o principal partido da extrema-direita, está prestes a formar um grupo parlamentar pela primeira vez em 35 anos. Desempenho confere peso à legenda ultraconservadora no cenário político do país

Marine Le Pen, líder do Reagrupamento Nacional, enviou um recado, ontem, aos eleitores franceses. "Se não tivermos um grupo poderoso na Assembleia Nacional (Parlamento), os temas da imigração, da insegurança e do islamismo desaparecerão dos debates", afirmou. Às vésperas da façanha de formar um grupo parlamentar de extrema-direita pela primeira vez em 35 anos, Le Pen abandonou a modéstia. "Conquistamos 1,3 milhão de eleitores nos pleitos legislativos dos últimos cinco anos. Somos a única força dinâmica", assegurou. "Estamos na liderança em 108 circunscrições eleitorais. Temos o potencial de eleger dezenas de deputados, caso nossos compatriotas se movam para defender suas ideias. (...) O Reagrupamento Nacional terá um grupo e ele será importante", acrescentou, ao sublinhar que a legenda "é o primeiro partido da França", após liderar em "11.300 municípios". 

Os candidatos do partido de Le Pen obtiveram 18,68% dos votos no primeiro turno das eleições legislativas. O segundo turno ocorrerá neste domingo. As sondagens estimam que o Reagrupamento Nacional deverá fazer entre cinco e 45 deputados. Em 2017, o partido conquistou oito cadeiras, e as previsões apontam um rendimento bem melhor neste ano. Uma formação de grupo parlamentar consolidaria o avanço da extrema-direita nos últimos anos e conferiria peso político à legenda utraconservadora e islamofóbica. 

A campanha eleitoral foi polarizada pela aliança centrista Juntos, do presidente Emmanuel Macron, e pela Nupes, frente de esquerda de Jean-Luc Mélenchon, que ficou em segundo lugar no último domingo. Apesar de o Reagrupamento Nacional ter ficado com a terceira colocação, o partido saiu fortalecido do primeiro turno. As projeções também apontam que, dos 577 assentos da Assembleia Nacional, o Juntos faria entre 255 e 295 deputados, e o Nupes, de 150 a 210. Le Pen se beneficiou da eliminação de Éric Zemmour, o adversário de extrema-direita no primeiro turno, ao cortejar os eleitores do candidato derrotado. 

Especialistas

Cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, Jean-Yves Camus admitiu ao Correio que a formação de uma bancada na Assembleia Nacional da França representaria um sucesso para Le Pen. "Isso dará ao Reagrupamento Nacional mais tempo na tribuna, para defender seu projeto de lei e para falar contra a legislação do advesário, além de dinheiro, uma maior equipe e oportunidades para apresentar legislações no Parlamento, ainda que elas não sejam aprovadas. Uma bancada pressupõe 15 parlamentares. Se o Reagrupamento Nacional obtiver mais do que 15 deputados, isso será um êxito estrondoso. No entanto, a legenda de Le Pen segue sem aliados, e ainda está longe de conseguir uma maioria nas eleições presidenciais", explicou.

Para Camus, o bom rendimento de Le Pen nessas eleições é um indício de que muitos cidadãos franceses estão indignados com o chamado "establishment". "Mas não apenas isso. O partido de extrema-direita tem permanecido ativo por cinco décadas. Com o nome de Frente Nacional, foi criado em outubro de 1972. É um sinal de que existe um apelo anti-imigração, anti-União Europeia e uma ideologia nacionalista que atinge muitos cidadãos franceses. Trata-se de um enorme desafio ao próprio conceito de sociedade aberta e erigida sobre valores liberais", comentou o estudioso.

Por sua vez, Brice Teinturier, diretor-geral do instituto de pesquisas Ipsos France, confirmou o desempenho surpreendente do Reagrupamento Nacional. "O único vencedor deste primeiro turno, em relação a 2017, é o Reagrupamento Nacional, que segue avançando e vai aumentar seus assentos depois do segundo turno, no domingo", disse à agência France-Presse.

Saiba Mais

 

Eu acho...

"A última vez em que a Frente Nacional — partido fundado por Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen — obteve um grupo parlamentar foi em 1986, com 35 deputados. Se o Reagrupamento Nacional conquistar esse número, isso será um pequeno terremoto." 

Jean-Yves Camus, cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris

 

HIPERTEXTO - Sistema eleitoral de seis décadas

Sistema eleitoral de seis décadas

Na França, os eleitores só podem escolher um único deputado para o seu círculo eleitoral, por meio de um sistema de maioria de dois turnos, o que impossibilita partidos como o Reagrupamento Nacional de obter representação alinhada com seus votos em nível nacional. Este sistema está em vigor desde 1958, mas o presidente socialista François Mitterrand decidiu, em 1986, introduzir uma dose de proporcionalidade, de modo que o círculo eleitoral tornou-se o departamento e cada partido apresentou uma lista de candidatos. As cadeiras de cada departamento foram atribuídas de acordo com os votos obtidos por cada lista, o que permitiu que o partido de Le Pen ganhasse em representação.