Pouco mais de uma hora depois de sobreviver a um voto de confiança no Parlamento que poderia lhe custar o cargo, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, desabafou, na noite de ontem. "É um resultado convincente. O que isso significa? Poderemos seguir adiante e nos focar em coisas que realmente importam às pessoas", declarou.
Por 211 votos a favor e 148 contra, parlamentares tories (membros do Partido Conservador) apoiaram a permanência de Johnson à frente de Downing Street, sede do governo britânico, apesar do escândalo conhecido como "Partygate". A não confiança do Parlamento exigiria a maioria simples, de pelo menos 180 votos contrários, e forçaria o chefe de governo a apresentar a renúncia. Johnson foi acusado de participar de festas durante a pandemia da covid-19 e de ignorar as medidas de restrição social impostas pelas próprias autoridades.
Cientistas políticos britânicos consultados pelo Correio afirmam que, apesar da sobrevida política conferida pelo Parlamento, o premiê sai do episódio com a legitimidade seriamente danificada. É a mesma percepção dos adversários políticos no Parlamento. "A história nos diz que este é o princípio do fim", disse o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, à radio LBC.
"Se observarem os exemplos anteriores de votos de desconfiança, incluindo quando os primeiros-ministros conservadores sobreviveram [...], o dano já está feito e normalmente eles caem razoavelmente rápido", lembrou, em alusão aos casos de Margaret Thatcher e Theresa May.
Depois da votação, Johnson também se disse agradecido aos colegas tories e enalteceu a "grande segunda-feira". "É claro que entendo que precisamos nos unir agora, como governo e como partido. É exatamente isso o que podemos fazer", acrescentou. Ele não perdeu oportunidade de alfinetar a imprensa.
"Isso nos dá a oportunidade de deixar para trás todas as coisas nas quais a mídia queria se concentrar por um longo tempo", disse. "Acho que a opinião pública quer que falemos sobre o que estamos fazendo para ajudar as pessoas desse país e para levá-lo adiante."
Robert Hazell, especialista em Constituição pela Faculdade de Política Pública da University College London, explicou que a rebelião dos tories (conservadores) foi maior do que se esperava. "Quando a premiê Theresa May enfrentou um voto de confiança similar, em dezembro de 2018, ela ganhou por 83 votos de diferença. Ainda assim, a pressão continuou por sua renúncia, algo que ocorreu seis meses depois. Boris Johnson venceu por apenas 63 votos, então, a pressão para ele deixar o poder será maior. Se ele perder as eleições de 23 de junho em West Yorkshire e em Devon para substituir dois parlamentares conservadores que abandonaram os postos, a pressão será ainda mais incisiva", comentou.
Professor de política da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Manchester, Nick Turnbull avaliou o resultado da votação como "terrível" para Johnson e para o Partido Conservador. "O voto contrário foi muito mais alto do que o resultado obtido por sua antecessora, Theresa May. É uma ferida de faca no premiê, da qual parece improvável que ele se recupere. Muitos parlamentares tories, que prometeram apoiar Johnson, mentiram e votaram contra ele. O primeiro-ministro não pode confiar em seu próprio partido", observou.
Para Turnbull, a imagem do chefe de governo foi arruinada pelo escândalo do "Partygate". "A opinião pública não gostou das festas dadas por Downing Street durante o lockdown, mas o que ela realmente odeia é o fato de que Johnson mentiu repetidas vezes. Isso fez com que a reputação do premiê afundasse entre os eleitores", advertiu. O especialista também citou as eleições de 23 de junho como cruciais.
"Se os tories perderem os assentos em disputa, o Partido Trabalhista terá um grande resultado, e os conservadores eventualmente precisarão encontrar um líder substituto. Sem sombra de dúvidas, esse processo está em andamento nos bastidores."
"Este é um resultado muito prejudicial para Johnson. O governo apostava que os votos contrários de 100 parlamentares seria improvável. Na verdade, foram 148 legisladores tories, o que representa 41,8% do total de conservadores. Será impossível para Johnson governar", admitiu Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham. Segundo Glees, o resultado era exatamente aquele almejado pelos trabalhistas.
"Vale lembrar que, além da crise do custo de vida, que é enorme, a ausência de quaisquer benefícios tangíveis do Brexit e a presença de muitas desvantagens, como os preços mais altos dos alimentos e a escassez de trabalho, teremos eleições no norte e no sudoeste, em 23 de junho. As pesquisas apontam uma derrota dos tories no norte", acrescentou. Ele considera importante a investigação sobre até que ponto Johnson deliberadamente enganou o Parlamento.
Eu acho...
"Ainda que Boris Johnson tenha ganhado o voto de confiança do Parlamento, o premiê sairá desse episódio seriamente prejudicado, talvez até fatalmente. A opinião pública perdeu a confiança nele, assim como 40% de seus parlamentares. Isso torna a posição dele insustentável."
Robert Hazell, especialista em Constituição pela Faculdade de Política Pública da University College London
"Um simpatizante anônimo de Boris Johnson disse, hoje à noite: "A festa acabou para o premiê; ele irá embora até o outono. Por aqui, acredita-se que ele saia até setembro. O caos político continuará, talvez sob a superfície. Creio que uma guerra civil irromperá dentro do Partido Conservador."
Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham (Reino Unido)
"O que o voto de confiança mostra é que se espera que o primeiro-ministro, pelo menos por alguns membros do Parlamento, se comporte adequadamente e não minta. O público britânico espera isso em um nível muito maior. E, uma vez que a mentira extensa tenha sido exposta, o público responsabilizará a liderança."
Nick Turnbull, professor de política da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Manchester (Reino Unido)
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