O mundo parece dispor de mais passado do que de futuro. Situação facilmente compreensível para a população do Reino Unido que comemora o reinado de 70 anos de sua rainha Elizabeth II, Governadora Suprema da Igreja Anglicana. Aliás, a Inglaterra até hoje é um exemplo inevitável para grandes potências, pela forma como pratica sua geopolítica, copiada dos portugueses durante as grandes navegações, modelo seguido pelos EUA e agora ensaiado pela China. Colonialismo, neocolonialismo, capitalismo, neocapitalismo e o expansionismo militar e cultural correspondente dos que fazem do mundo um grão de areia.
Em história política, olhar para trás é mais tranquilo do que olhar para frente. A política mundial cansou da diplomacia e anda devorada pela vaidade expansionista e nenhum país líder parece estar disposto a estabelecer um teto para as ambições e as bobagens em curso. A decisão de não decidir, ou resolver decidir errado, não é mais um paradoxo da política exterior pelo mundo, é sua política.
A história é cheia de fatos repetitivos e melhor não falar da Rússia atual. Em 1852, a Inglaterra, com sua histórica mania de se meter na vida Argentina, concedeu asilo diplomático ao presidente deposto Juan Manoel Rosas. Repetiu a façanha em 1930, no Brasil, quando o presidente eleito Júlio Prestes, buscou asilo no consulado britânico de São Paulo a caminho de Portugal. Há poucos anos, a tradição de procurar abrigo em missões diplomáticas deixou em saia justa a mesma Inglaterra, quando se desentendeu com o Equador por este oferecer, em sua embaixada de Londres, proteção ao hacker que irritou os EUA por divulgar documentos secretos do país.
Há casos trágicos e pitorescos da época da Guerra Fria, como o do cardeal húngaro Jozsef Mindszenty, dissidente político, que ficou 15 anos sob a proteção da embaixada americana em Budapeste, depois que a União Soviética invadiu a Hungria e acabou com as ilusões do socialismo democrático. Nada parecido com a bizarra atuação do exército americano contra o prédio da embaixada do Vaticano na cidade do Panamá, no fim dos anos 1990. Como ali se refugiou o presidente-ditador Manuel Noriega, os soldados norte-americanos que invadiram o país para forçar sua deposição fizeram tanta algazarra no local que nem a Igreja aguentou, e negociou sua prisão. Julgado nos EUA por tráfico de drogas e assassinato de opositores, ficou preso quase 20 anos, sendo entregue ao Tribunal Correcional de Paris, onde foi julgado por lavagem de dinheiro do Cartel de Medellin na França. Foi devolvido ao Panamá, onde morreu aos 83 anos.
Apesar de dissidentes chineses saberem bem o caminho da embaixada americana em Pequim e de o astrofísico Fang Lizhi ser o recordista no tempo de permanência dentro daquele prédio, a China não perde o prestígio mundial, mesmo praticando baixa diplomacia. Agora, o tigre asiático decidiu fazer como a velha Inglaterra, e os EUA, e partir para a vida exterior, conquistando países na África e namorando a América Latina.
Segue o exemplo que vê em casa, onde a atual embaixada americana em Pequim, inaugurada por Bush pai e filho, é a segunda maior embaixada dos EUA no mundo. Depois do Oriente Médio, onde a diplomacia americana não dispensa grandes estruturas para ações não diplomáticas.
Até menos de dois séculos atrás, os chineses não aceitavam embaixadores de outros países. Quando os britânicos solicitaram, em 1793, à dinastia Qing, a última do Império chinês, para enviar um representante permanente à Corte Celestial, a famosa resposta foi de que tal embaixada "não estaria em harmonia com o sistema da dinastia" e "definitivamente não seria permitida". A dinastia Qing só aceitava a presença constante de bárbaros — assim como os romanos, essa era a designação geral para todos os povos não chineses — nas fronteiras o Império, não na capital. Os poucos estrangeiros admitidos regularmente na corte eram "obrigados a usar roupas chinesas", "a não manter correspondência" e "jamais seriam autorizados a retornar a seus países", como explicou o imperador chinês em carta ao rei inglês.
Foi nessa época que a fama de Cantão correu o mundo, pois era naquele cantão, hoje Guangzhou, que ocidentais podiam comercializar com os chineses e manter representação permanente.
A primeira embaixada norte-americana em Pequim teve o prédio perdido quando os EUA resolveram não reconhecer a instauração da República Popular, em 1949. Virou a residência em Pequim do Dalai Lama na década de 1950, antes de ele se rebelar contra o domínio chinês sobre o Tibete e deixar o país, em 1959, e desde então correr o mundo pregando que devemos perdoar, mas não esquecer.
PAULO DELGADO, sociólogo