Moradora de Zhytomyr, 151km a oeste de Kiev, a psicóloga Lyudmila sofre com a falta de informações sobre um familiar, um soldado ucraniano capturado pelas forças russas. "Mais de 6 mil militares estão no cativeiro. Os últimos 100 dias têm sido de tristeza. Muitas pessoas perderam suas casas. Aquelas que vivem nos territórios ocupados sobrevivem em condições adversas, foram cortadas da civilização. Não têm acesso à internet, a alimentos e a medicamentos", desabafou ao Correio. A 489km dali, mais a leste, em Sumy, o cientista político Mykola Nazarov contou à reportagem que as forças russas não mais ocupam a cidade. "A situação agora é bem melhor. Nesses 100 dias, aprendi a apreciar coisas simples, como eletricidade, água e internet. Nós perdemos tudo isso por um tempo", disse.
Na capital, Kiev, Oleksandr Pogrebyskyi, sargento do batalhão de voluntários Irmãos em Armas e deputado do Conselho Municipal, citou "dias de lágrimas e de vitórias". "Formei um batalhão militar que resgatou 20 mil pessoas de Irpin. Nesses 100 dias, as pessoas foram obrigadas a fazer escolhas reais. Foram 100 dias de destruição de muitos destinos e de tantas vidas.
Para marcar a data, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, divulgou um vídeo no qual aparece, na sede do governo, acompanhado do premiê, Denys Shmyhal, e do conselheiro Mykhaylo Podolyak. "A vitória será nossa. Os representantes do Estado estão aqui, defendendo a Ucrânia há cem dias", declarou Zelensky. O chefe de Estado elogiou suas tropas, ao afirmar que elas "fizeram o que parecia impossível" para deter "o segundo maoir exército do mundo".
Por sua vez, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, assegurou que a campanha militar russa continuará "até que todos os objetivos sejam alcançados". Ele observou que as tropas de Moscou libertaram várias cidades das "forças armadas pró-nazistas da Ucrânia". Na França, o presidente Emmanuel Macron, que resistia em condenar o colega russo Vladimir Putin, mudou ontem de tom e advertiu que o homólogo está cada vez mais "isolado". "Acho, e disse a ele (Putin), que cometeu um erro histórico e fundamental para seu povo, para si mesmo e para a história", disse. Macron não descartou uma nova visita a Kiev. "Viajei em fevereiro para tentar evitar a guerra. Atualmente, não excluo nada", comentou. O ministro da Defesa da Ucrânia, Dmytro Kuleba, convidou o francês a Kiev antes do fim deste mês. O coordenador da Organização das Nações Unidas (ONU) para a crise na Ucrânia, Amid Awad, advertiu que não haverá vencedores na guerra e citou um "preço elevado para os civis".
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran afirmou ao Correio que, nos primeiros dias da invasão, a estratégia da Rússia fracassou por completo ao tentar capturar Kiev, destituir Zelensky e impor um governo títere. "Para mim, esse foi um triunfo da Ucrânia. Depois disso, a Rússia isolou-se no mundo, econômica e geopoliticamente. O futuro de Moscou parece bastante sombrio. Por outro lado, apesar do imenso sofrimento da população ucraniana, está claro que o país pertence à civilização europeia e caminhará em direção à União Europeia (UE)", explicou.
"Putin está perdendo o apoio da comunidade internacional, o que indica um sinal de vitória da Ucrânia. Ele seguirá matando soldados ucranianos e russos, além de civis do meu país. Fica claro o desejo do Kremlin de consolidar ganhos no sul da Ucrânia. A Rússia capturará todo o Donbass (leste), mas isso vai custar muito tempo e sangue", acrescentou Haran.