Mais do que uma demonstração de apoio incondicional à Ucrânia, a declaração final da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sinaliza um ensaio à expansão da aliança, reposiciona a estratégia para a próxima década e coloca a Rússia como ameaça direta. Pela primeira vez, os líderes dos 30 países-membros classificaram a China como um "desafio" e convidaram Finlândia e Suécia e iniciarem o processo de adesão. Eles também condenaram a "crueldade terrível" da Rússia, que "causa imenso sofrimento humano".
No documento, a Otan atribui a Moscou "total responsabilidade por esta catástrofe humanitária". O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou por videoconferência da cúpula e cobrou o envio de "sistemas de artilharia muito mais modernos, além de apoio econômico. Ele estimou que Kiev precisa de pelo menos US$ 5 bilhões mensais para defesa.
Por sua vez, o presidente norte-americano, Joe Biden, afirmou que a reunião enviou uma "mensagem inconfundível" de que a Otan está forte e unida. "Para esse fim, estou anunciando que os Estados Unidos aprimorarão nossa postura de força na Europa e responderão às mudanças no ambiente de segurança, além de fortalecer nossa segurança coletiva", declarou o democrata. O contingente militar dos EUA será reforçado na Espanha, Polônia, Romênia, nos países bálticos, no Reino Unido, Alemanha e Itália.
O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, provocou o líder russo Vladimir Putin. "Se Putin esperava ter menos Otan no flanco leste como resultado de sua invasão ilegal e injustificável da Ucrânia, estava totalmente equivocado: terá mais Otan", avisou. Putin denunciou as "ambições imperiais" da Otan e disse que a adesão da Finlândia e da Suécia "não seria problema" "Não temos problemas com Suécia e Finlândia como os que temos com a Ucrânia", assegurou. "Os países que lideram a Otan querem (...) afirmar sua hegemonia, suas ambições imperiais", acrescentou.
Pesquisador da Universidade de Stanford e da American University, James Goldgeier concorda com a visão de Bruxelas de que a Rússia representa uma ameaça direta à Otan. "A aliança aprimora suas habilidades para se defender, aumenta os gastos com defesa e adiciona destacamentos no Leste Europeu", afirmou ao Correio. Ele sublinha que a declaração final da cúpula em Madri referiu-se a uma "competição sistêmica". "O novo Conceito Estratégico discutiu como as 'ambições declaradas e as políticas coercitivas da China' desafiam o interesse, a segurança e os valores da Otan."
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Envolvimento
De acordo com Goldgeier, o anúncio de reforço da presença militar dos EUA na Europa colocam Washington de volta a um "envolvimento profundo" no continente. "As decisões do governo norte-americano de terem um quartel-general na Polônia, além de adicionar tropas e equipamentos na Europa, são bem importantes."
Edward P. Joseph — professor da Faculdade de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins — explicou à reportagem que, além da ameaça representada pela Rússia, a Otan se guia "pela dinâmica da invasão brutal, não provocada e incompetente" à Ucrânia. "A Otan tem sido um ator estável e previsível no Leste Europeu. Nenhum dos vizinhos da Rússia fez ameaças a Moscou nem levantou reivindicações provocativas."
Joseph entende que, ao pontuar a Rússia como ameaça e a China como desafio, a Otan envia um recado contundente a Pequim. "Antes da invasão à Ucrânia, havia diferenças entre os EUA e os países da União Europeia em relação à forma de lidar com a China. O bloco europeu estava mais inclinado a adotar uma posição suave no trato com Pequim. Isso não ocorrerá. Graças à invasão de Putin, o bloco classifica a China como um Estado autoritário, que desrespeita o direito internacional", afirmou. O estudioso acha pouco provável uma guerra espraiada pela região. "Não vejo risco de envolvimento da Otan na Ucrânia por um motivo: isso levaria ao fim da operação do Exército da Rússia na ex-república soviética."