SAÚDE

Disputas judiciais eclodem nos EUA após fim da garantia do direito ao aborto

De um lado, alguns Estados correm para proibir o procedimento; do outro, grupos tentam impedir ou bloquear tais medidas

Agência Estado
postado em 27/06/2022 21:41
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

A decisão da Suprema Corte dos EUA da sexta-feira, 24, de derrubar Roe vs Wade, que garantia o direito ao aborto em todo os Estados Unidos, desencadeou uma série de disputas nos tribunais estaduais que vieram à tona nesta segunda-feira, 27. De um lado, alguns Estados correm para proibir o procedimento; do outro, grupos tentam impedir ou bloquear tais medidas.

As disputas acontecem porque a derrubada de Roe vs Wade tornou a legislação sobre o aborto um assunto dos Estados, que agora estabelecem as suas leis em torno do tema de maneira separada. No sábado, pelo menos 11 já haviam paralisado o procedimento por causa das "leis de gatilho" ou por confusão da legislação estadual.

Ao todo, 13 Estados possuem as leis de gatilho, criadas de forma antecipada com a intenção de mudar a legislação o mais rápido possível a partir de decisões que as permitam entrar em vigor. Em pelo menos seis destes, os defensores do aborto entraram na Justiça para impedi-las.

As ações foram iniciadas em Kentucky, Texas, Idaho, Louisiana, Utah e Mississippi com a intenção de suspender ou adiar as proibições ao aborto. Arizona e Flórida, que aprovaram leis recentemente para proibir o aborto após a 15ª semana de gestação, mas não está no grupo dos 13 Estados com leis de gatilho, têm ações semelhantes.

Segundo o New York Times, pelo menos uma clínica de aborto da Louisiana voltou a funcionar depois que um juiz interrompeu temporariamente nesta segunda a lei de gatilho que proíbe o procedimento.

Outro tribunal estadual que já decidiu contra a proibição do aborto foi Utah. No final de semana, a Planned Paranthood Association entrou com uma ação para bloquear a lei de gatilho, que entrou em vigor logo após a Suprema Corte derrubar Roe, e conseguiu um veredicto a seu favor. A associação alegou que a lei de Utah - que proíbe o aborto exceto em casos de estupro ou para evitar a morte da mãe e determina uma pena de 15 anos de prisão e até US$ 10 mil em multas - viola a Constituição Estadual.

Outro Estado que se movimenta é a Califórnia, onde o direito ao aborto deve continuar existindo. Deputados querem acrescentar uma emenda à Constituição Estadual para proteger explicitamente o direito.

Ganhar tempo

Em alguns casos, as ações judiciais podem apenas ganhar tempo. Mesmo que os tribunais impeçam algumas proibições ou restrições, deputados em muitos Estados conservadores podem agir rapidamente para resolver quaisquer falhas citadas.

É o que deve acontecer na Louisiana, por exemplo. As alegações judiciais dos grupos pró-aborto do Estado são que a legislação estadual tem vários mecanismos conflitantes e não é clara sobre seu funcionamento. Um destes pontos é o termo "medically futile" (medicamente fútil, em tradução livre), que é utilizado, mas não definido pela lei. O termo aparece entre as exceções que permitem o aborto.

Leis antigas

Há ainda outros casos que podem se desenrolar enquanto os Estados tentam descobrir se as leis em vigor antes da decisão de Roe (que data de 1973) voltam a prevalecer agora. Em Wisconsin, por exemplo, a lei que proíbe o aborto, exceto para salvar a vida da mãe, é de 1849. O procurador-geral do Estado, Josh Kaul, disse que não acredita que a lei seja aplicável.

A Plannet Parenthood de Wisconsin decidiu suspender imediatamente todos os abortos do Estado até que haja uma definição.

Em Michigan, a mesma associação contestou a proibição do aborto, baseado em uma lei de 1931. Em maio, antes da queda de Roe, um juiz disse que a proibição não poderia ser aplicada porque viola a Constituição Estadual. Os defensores do direito ao aborto tentam fazer com que uma proposta de emenda constitucional estadual seja votada em novembro para proteger o procedimento e o controle da natalidade.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da "cláusula do devido processo", protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se "a idade gestacional provável do feto humano" fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueado a legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. (Com agências internacionais)

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