O desafio mundial da educação

Paulo Delgado com Henrique Delgado
postado em 19/06/2022 00:01

Todos os meses caem dividendos em minha conta que cobrem todas as despesas. O que importa é o lucro, não a vida dos outros. É o sucesso com dinheiro que explica o progresso, não a instrução coletiva. Para decodificar o conceito de bom negócio, é preciso coragem de espírito. Instrução sem cultura e instituições inaptas não conseguirão ressignificar a educação para atuar no mundo moderno.

Travando uma batalha apática e desorientada contra a astúcia das telecomunicações, a educação perdeu a guerra de propaganda pelo seu valor. Dever do Estado, futuro e ameaça não fazem ninguém estudar. De primeira-dama da sociedade industrial escolarizada a educação está virando a rejeitada da sociedade tecnológica pasteurizada. É muito difícil viver a vida estudando o tempo todo. Mas é pior não estudar, ou estudar contra si mesmo, usando mal as oportunidades da sociedade pós-industrial.

O mundo ligado da era digital produz solidão e melancolia, luto sem perda, alegria sem felicidade, abundância sem saciedade. Não é educação estimular o extravagante, o alpinista. Se a riqueza mundial está crescendo, é sem sentido lutar por trabalho alienado, acusar alguém de desqualificado por não se fazer obediente à opressão das startups. Quem amedronta o jovem com a falta de emprego não quer conquistá-lo para a ideia de que estudar é a melhor forma de não precisar se matar de trabalhar.

Se o crescimento moderno diminui o emprego, é a educação que vai impedir a inatividade e o desespero. Desde que a escola ensine a usar, criativamente, o tempo livre, lutar pela harmonia do mundo e não se transformar em escola de guerra econômica prisioneira da automação. É a quantidade de inteligência que cria a quantidade de trabalho. É o espírito que traz paz e prosperidade.

A genialidade, hoje, não depende de inteligência, da serenidade, da formação sistemática ou da eternidade dos clássicos. É a modernidade robô, de fachada, o automatismo idiotizante, a embasbacada religião celular com seu totem manual, uma caixa receptora/transmissora de ondas de comunicação por células não biológicas, que padronizou a personalidade, transformando a vontade em confinamento, o desejo em ânsia ostentatória.

A soberania opressiva da cultura do mundo eletrônico não aceita o fato de que na mente de um jovem em formação acontece coisa mais importante do que na realidade. Pegando a educação desprevenida, o chip entrou na vida das pessoas como cavalaria, infantaria e artilharia, usando a tríade narcisismo-ambição-comodidade, (arma de todas as armas) para comando e controle da mente humana. Sua dinâmica de ação é sempre o conflito ser/não ser, para atrair o obstinado por novidade, explorar a vulnerabilidade do usuário, maximizar a influência da marca.

A educação não se deu conta de que o celular, este sacerdote-pastor-guru, o mais assanhado e irresponsável filho do casal computador-internet, é que imprime suas particularidades na fisionomia estampada na alma das crianças e jovens cobaias. E, ainda sem perceber, o ardil da escalada autônoma da tecnologia para escravizar gerações, a pedagogia, tomou de amores pela psicologia, para diagnosticar como desajustados os sensíveis, tímidos, incomodados, espiritualizados, reflexivos, que andam mais devagar e não querem ser navegadores digitais.

A influência tirânica e preguiçosa da tecnologia tem sido um desastre na educação da atual geração. Matou o interesse pela história da cultura e o desprezo pelo processo gradativo do progresso humano. A educação está à mercê de duelos dissimulados de conduta, disfarces de paixão, considerando normal  rejeitar o que quer o coração e agir contra os sentimentos. Aderir à onda é a forma que estudantes perdidos se ajustam para serem aceitos entre colegas.

A escola não deve ser sucursal da bolsa de valores, fazendo a estimativa do ativo que é cada estudante para o mercado "mundo". Emoções e características da personalidade são psicologizadas, visando a modelação de sentimentos. E, assim, passou a ser natural conviver com a imaginação imperfeita dos plágios, a originalidade movida por vaidade e exibicionismo, a vivacidade mecânica, a perda do ouvido do estudante que não lê mais em voz alta e só é seguro quando imita o que viu em alguma tela.

A humanidade sofre quando a educação não é a parte principal da fase inicial da vida das pessoas. E perde o rumo, querendo fazer da educação o que não é, remédio que resolve tudo. A educação como mito é um desastre: o de mais quantidade nos países ricos e o de má qualidade nos emergentes e pobres. (Continua)

PAULO DELGADO, sociólogo

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