A reação de Washington veio poucas horas depois de o presidente da China, Xi Jinping, telefonar para o homólogo russo, Vladimir Putin, e assegurar o apoio de Pequim em relação à soberania e à segurança de Moscou. Sob condição de anonimato, um porta-voz da diplomacia norte-americana enviou um recado a Xi. "Os países que escolherem o lado de Vladimir Putin inevitavelmente ficarão do lado errado da história. Agora é a hora de os líderes mundiais se manifestarem contra a flagrante agressão do presidente Putin e apoiarem o povo ucraniano", declarou à agência France-Presse. "O alinhamento da China com a Rússia nos preocupa. A China afirma ser neutra, mas seu comportamento deixa claro que ainda está investindo em laços estreitos com a Rússia", admitiu o porta-voz.
Ao mesmo tempo, os EUA anunicaram o envio à Ucrânia de nova remessa de armamentos, no valor de US$ 1 bilhão. O pacote de defesa inclui artilharia, sistemas de defesa antinavio, munição e sistemas avançados de mísseis. "Reafirmei meu compromisso de que os EUA estarão com a Ucrânia na defesa de sua democracia e sua soberania e integridade territorial diante de uma agressão russa não provocada", declarou Biden, segundo um comunicado. O presidente americano também anunciou o repasse de US$ 225 milhões em assistência para a Ucrânia.
Na conversa por telefone, Xi disse a Putin que "a China está disposta a continuar o apoio mútuo com a Rússia em questões de soberania, segurança e em outros assuntos de interesse fundamental e preocupações importantes", segundo a agência de notícias oficial Xinhua. A transcrição da conversa não cita exemplos específicos, como Ucrânia ou Taiwan. Especialistas acreditam que Xi utilizará o apoio à guerra na Ucrânia para solicitar o aval de Moscou em uma ofensiva contra o arquipélago capitalista.
Yun Sun, diretora do Programa China do instituto Stimson Center (em Washington), classificou como "importante" o compromisso da China com a soberania e a segurança russas. "Mas é interessante analisarmos o tipo de apoio que a China não prometeu — militar, econômica e humanitária. O apoio que a Rússia pede é limitado. A postura solidária de Pequim deve-se, principalmente, à visão de que Rússia e China estão, ao mesmo tempo, ligadas a questões relacionadas aos Estados Unidos e, por isso, não têm outras opções", explicou ao Correio. "A importante ameaça à segurança da China, pelos EUA, não será aliviada. Então, por que se incomodar em trair um aliado que pode ser útil?"
Especialista da Iniciativa de Segurança da Ásia do think tank Atlantic Council (sediado em Washington), Dexter Roberts lembrou que Xi precisa se comunicar com Zelensky. "Ao referir-se à 'legitimidade' das preocupações da Rússia com a segurança, durante a conversa com Putin, Xi deixou claro que a China nada fará para pressionar os russos sobre a invasão à Ucrânia. A China continua a se destacar entre as nações pelo alto nível de apoio à Rússia", afirmou à reportagem.
De acordo com Roberts, Xi crê que a Rússia foi forçada pela expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a invadir a Ucrânia. "O presidente chinês coloca a culpa pelo conflito nos ombros da aliança militar ocidental e, em particular, nos Estados Unidos. Pequim traça um paralelo com a situação vigente na região do Indo-Pacífico, onde os norte-americanos são vistos como expansionistas e como uma ameaça aos interesses centrais de Pequim — por exemplo, o apoio de Washington a Taiwan", acrescentou o escritor.
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Sequestro de menores
A chilena Michelle Bachelet, alta comissária dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciou que sua equipe investiga denúncias de que crianças ucranianas estariam sendo enviadas à força para a Rússia, onde são colocadas para adoção. De acordo com as alegações, alguns menores foram "sequestrados de orfanatos e, depois, entregues para adoção na Rússia". A alta comissária disse não ser capaz de confirmar as acusações ou estimar quantas crianças seriam afetadas. "Estamos preocupados com os supostos planos das autoridades russas de permitir a transferência de crianças da Ucrânia para a Federação Russa, que não parece incluir medidas de reagrupamento familiar ou respeitar os interesses dos menores", comentou Bachelet.
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"Pequim continuará a apoiar Moscou, não importa o que Washington diga. Os chineses creem que a Rússia é a parte prejudicada no conflito, e que os EUA são os verdadeiros agressores. A China também gostaria de contar com o apoio de Moscou em eventuais manobras contra Taiwan — algo que Xi Jinping apontou como prioridade. Eles também sabem que o apoio aos EUA e a pressão sobre a Rússia não colocará um fim às tensões sino-americanas. Pequim sabe que outros grandes atritos na relação EUA-China permancerão por anos, incluindo a questão dos abusos aos direitos humanos na província de Xinjiang (leste), a repressão à sociedade civil em Hong Kong, disputas comerciais, e, acima de tudo, Taiwan."
Dexter Roberts, especialista da Iniciativa de Segurança da Ásia do think tank Atlanctic Council (Washington) e autor de The myth of chinese capitalism: The worker, the factory, and the future of the world ("O mito do capitalismo chinês: o trabalhador, a fábrica e o futuro do mundo)
Ambições territoriais
"Conhecemos o padrão de comportamento do Partido Comunista Chinês. A China, como a Rússia, tem ambições de expansão territorial e cria desculpas para ameaçar vizinhos. Na ideologia do comunismo, o Partido Comunista é o ponto mais alto da evolução social e pode resolver os problemas do capitalismo. Então, eles sempre dizem coisas como estar do lado certo da história."