O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, enfrenta nesta segunda-feira (6/6) voto de desconfiança no Parlamento britânico que pode derrubá-lo do cargo. Parlamentares do Partido Conservador vão se manifestar sobre se continuam ou não confiando na capacidade do premiê de se manter no posto.
A votação se dá em meio ao escândalo conhecido como "Partygate", de festas que ocorreram em gabinetes do governo e até no jardim da residência oficial do primeiro-ministro em pleno lockdown, durante a pandemia do coronavírus.
A permanência de Johnson no cargo passou a ser mais fortemente contestada depois que foi publicado, em maio, o relatório de Sue Gray, funcionária pública responsável por investigar acusações de violações de regras sanitárias por funcionários do governo. O relatório confirmou que várias festas ocorreram durante a pandemia, algumas com a presença de Johnson, quando o restante do país vivia sob restrições impostas pelo próprio governo.
O documento de 60 páginas afirma que as celebrações que violaram regras para combater a covid contrariaram as orientações relacionadas à crise sanitária na época e envolveram, ao todo, 83 pessoas ligadas ao governo. Gray apontou ainda para a existência de "falha de liderança", "consumo excessivo de álcool" e "vários exemplos de falta de respeito com funcionários da segurança e da limpeza".
Diante dessas evidências, 15% dos parlamentares do Partido Conservador, do qual Boris Johnson faz parte, assinaram a moção de desconfiança — ou seja, 54 dos 359 parlamentares apoiaram a votação que pode destituir o premiê. A decisão ocorre entre 18h e 20h do horário local (entre 14h e 16h do horário de Brasília).
Johnson precisa de 180 votos para se manter no cargo. Se não obtiver essa maioria, o Partido Conservador vai ter que eleger outro nome para liderar o partido e assumir o cargo de primeiro-ministro.
Como Boris Johnson chegou ao poder
A gestão de Boris Johnson teve início em julho de 2019, quando foi eleito líder do Partido Conservador e nomeado primeiro-ministro. Ele chegou ao cargo após a renúncia da também conservadora Theresa May, que não resistiu à pressão em meio a dificuldades no processo de condução do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).
Aliás, May sobreviveu a um voto de desconfiança, mas, meses depois, teve que renunciar ao não conseguir passar sua proposta de acordo para a transição do Brexit. Ou seja, ainda que Johnson sobreviva à votação desta segunda, ele pode sair enfraquecido, como ocorreu com sua predecessora.
Ao assumir o cargo de premiê em 2019, Johnson disse que suas principais missões seriam promover o Brexit, unir o país e derrotar o líder da oposição, Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista.
Johnson apoiou o Brexit enquanto ainda era prefeito de Londres, cargo que exerceu entre 2008 e 2016. Posteriormente, entre 2016 e 2018, foi secretário para Assuntos Internacionais no governo da primeira-ministra Theresa May.
Johnson, de 57 anos, tem uma carreira política marcada por algumas gafes, frases polêmicas e o gosto pelos holofotes, ao mesmo tempo em que se tornou bastante popular entre uma parcela relevante do Partido Conservador.
Sua vitória para a prefeitura de Londres foi o primeiro grande triunfo do Partido Conservador após a chegada do trabalhista Tony Blair ao posto de primeiro-ministro, em 1997.
Johnson se reelegeu prefeito em 2012, ampliando sua força política. Ele nasceu nos Estados Unidos em 1964, quando seus pais, ambos britânicos, viviam em Nova York.
Em 1969, porém, mudou-se para o oeste da Inglaterra com a família. Ele manteve a cidadania americana até 2006, quando renunciou a ela. Com antepassados turcos, franceses e alemães, Johnson é filho de um ex-membro do Parlamento Europeu.
Ele estudou no colégio Eton, um dos mais tradicionais da Inglaterra, e se formou em estudos clássicos na universidade de Oxford, outra referência acadêmica no país.
Na universidade, integrou o famigerado Bullingdon Club, um antigo clube exclusivo para estudantes homens — em geral ricos —, conhecido por suas festas regadas a bebida e confusão.
Depois passou a trabalhar como jornalista. Logo em seu primeiro estágio na profissão, porém, foi demitido do jornal Times por inventar uma declaração de um suposto entrevistado.
Johnson, à época com 23 anos, escreveu uma reportagem sobre a descoberta arqueológica de um palácio do século 14. No texto, ele inventou uma declaração que teria sido dita por seu padrinho, o historiador Colin Lucas.
Em entrevista a um documentário da BBC em 2013, Johnson disse ter se arrependido do ato. "Foi horrível... Lembro uma sensação de profunda, profunda vergonha e culpa", afirmou.
Após a demissão, Johnson trabalhou nos jornais Express & Star e Daily Telegraph, onde ocupou os postos de correspondente em Bruxelas e editor-assistente.
O início da carreira política
Ele entrou definitivamente para o cenário político em 2001, quando foi eleito parlamentar. Três anos depois, foi demitido de um alto posto na hierarquia do Partido Conservador por ter supostamente mentido a respeito de um caso extraconjugal.
Mas foi reeleito para o cargo no ano seguinte e, em 2008, foi eleito prefeito de Londres. Sua decisão de concorrer à prefeitura agitou a disputa, e ele venceu com 54% dos votos.
Dias após a vitória, Johnson proibiu o consumo de álcool no transporte público. Um entusiasmado ciclista, ele lançou um programa de aluguel de bicicletas em Londres, conhecido informalmente como "Boris bikes", e renovou a frota de ônibus.
Johnson representou Londres quando a cidade recebeu a maior publicidade em décadas, ao sediar os Jogos Olímpicos de 2012. Em 2011, ele disse à BBC que não pretendia assumir "outro grande cargo na política" após deixar a prefeitura.
Mas Johnson voltou ao Parlamento em 2015, eleito por um subúrbio do noroeste de Londres. No plebiscito de 2016, a respeito da permanência do Reino Unido na União Europeia, ele foi umas das principais figuras políticas a apoiar o voto pró-Brexit, que acabaria sendo vitorioso.
Com a saída do premiê David Cameron, Johnson foi um dos cotados a assumir o governo em 2016, mas acabou sendo passado para trás depois de perder o apoio de seu coordenador de campanha, Michael Gove, que questionou sua capacidade de liderança.
O posto acabou ficando com Theresa May, e Johnson se tornou secretário das Relações Exteriores. Ele foi chanceler por dois anos e deixou o posto depois de vários desentendimentos com May por conta do Brexit.
Em junho de 2018, por exemplo, ele declarou que a então premiê precisava mostrar "mais coragem" nas negociações com a UE — e, nisso, contou com apoio explícito do então presidente americano, Donald Trump, que mais tarde disse que Johnson faria um "grande trabalho como premiê" e daria um jeito no que chamou de "desastre" de May no Brexit.
Brexit
Em 2016, Johnson foi uma figura de destaque na campanha a favor do Brexit durante o referendo.
Ele ficou conhecido por seus ataques à União Europeia — e muitos o acusaram de "exagerar" ou mesmo "mentir" nas críticas ao bloco e sua defesa dos supostos benefícios do Brexit.
O episódio mais polêmico desse período foi quando afirmou que o Reino Unido enviava 350 milhões de libras (cerca de R$ 1,6 bilhão) por semana à UE. Mas críticos apontaram na época que o número estava errado, uma vez que não levou em conta o montante que é devolvido pela UE, ou mesmo quanto desse dinheiro era gasto posteriormente no Reino Unido.
Na gestão de Johnson como premiê, conforme ele prometera, o Reino Unido de fato concluiu sua saída da União Europeia, em janeiro de 2020. Mas as ações de seu governo frente à pandemia da covid acabaram se tornando sua maior fonte de desgaste.
Enquanto vários países europeus rapidamente adotaram restrições para conter a primeira onda da pandemia, Johnson relutou em adotar as mesmas medidas. Posteriormente, acabou recuando, mas a relutância lhe rendeu críticas entre os que consideraram a reação atrasada.
As críticas se intensificaram quando o Reino Unido se tornou um dos países com os maiores índices de infecções e mortes por covid no mundo.
Em abril de 2021, ele voltou a ser criticado por ter dito a auxiliares que preferia ver "corpos sendo empilhados" a adotar mais um lockdown no Reino Unido. A fala foi relatada à BBC e a outros veículos por fontes que a presenciaram, mas foi negada por Johnson.
A pressão contra o primeiro-ministro só se tornou séria, porém, após os relatos sobre os eventos sociais realizados em sua residência oficial enquanto vigoravam as regras restritivas.
Segundo a imprensa britânica, pelo menos 17 encontros sociais teriam sido realizados na residência oficial de Johnson em Downing Street durante a pandemia, dos quais 16 foram alvo do relatório de Sue Gray.
O Reino Unido estava em diferentes estágios de distanciamento social quando as festas foram realizadas.
Em uma delas, em maio de 2020, 100 pessoas foram convidadas para drinks nos jardins da residência oficial. Johnson foi uma das 30 pessoas que de fato compareceram, mas disse que acreditava tratar-se "implicitamente de um evento de trabalho".
Um mês depois, o aniversário do primeiro-ministro teria sido comemorado no gabinete de sua residência oficial. Ao todo, a Polícia Metropolitana de Londres emitiu 126 multas relacionadas aos eventos irregulares. Além de Boris, sua esposa, Carrie, e seu secretário de Finanças, Rishi Sunak, entraram na lista de multados.
Antes do relatório de Sue Gray, diversos membros seniores do partido conservador já haviam pedido a saída de Johnson do cargo de primeiro-ministro e da liderança do partido.
Também anteriormente à polêmica sobre a realização de festas em meio à pandemia, Johnson passou por outros momentos de crise em sua carreira política, após algumas falas controversas e muito criticadas.
Em uma delas, ele se referiu a homossexuais como "bumboys" (bum, em inglês, é usado para se referir tanto às nádegas, quanto a "vagabundos").
Em outra, declarou que muçulmanas usando o véu que deixa só os olhos à vista se assemelhavam a "caixas de correio".
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