A Colômbia tem a chance de iniciar, hoje, uma guinada histórica rumo à esquerda. O senador Gustavo Petro, 62 anos, ex-membro da guerrilha urbana M-19, lidera todas as pesquisas de intenção de voto e trava uma disputa direta com o ex-prefeito de Medellín Federico Gutiérrez,47. No entanto, o direitista Gutiérrez é ameaçado pelo polêmico empresário Rofolfo Hernández, 77, que tem reduzido a distância para o segundo colocado nas sondagens. Ex-prefeito de Bucaramanga, Hernández declarou, em 2016, numa entrevista à emissora colombiana RCN Radio: "Sou seguidor de um grande pensador alemão que se chama Adolf Hitler". No ano passado, ele reconheceu que a referência ao líder nazista foi um "lapso". Pela primeira vez, a esquerda pode chegar à Casa de Nariño — sede do Executivo — e ainda eleger como vice-presidente a primeira mulher negra: a advogada e ativista ambiental Francia Márquez, companheira de chapa de Petro.
Mais de 39 milhões de cidadãos estão aptos ao voto, o qual é facultativo no país. Caso Petro vença, a Colômbia poderá se unir à esquerda que gravita na maioria das nações da América do Sul. No Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode confirmar o retorno ao poder em 2 de outubro, consolidando o declínio da direita na região.
Professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade de Externado, de Bogotá, Magda Catalina Jiménez Jiménez admitiu ao Correio que, pela primeira vez, a esquerda colombiana tem uma "oportunidade eleitoral tão clara" de vencer as eleições e de ascender ao poder. "A esquerda na Colômbia é bastante heterogênea e repleta de diferenças internas. Há expressões de centro, de movimentos sociais e grupos que não seguem uma ideologia evidente, mas pensamentos diversos. Gustavo Petro tem características mais próximas às de Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de seguir um movimento político mais amplo, e não uma legenda, como o Partido dos Trabalhadores."
De acordo com Jiménez, as mais recentes pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o direitista Federico Gutiérrez e o esquerdista Gustavo Petro. "Não teremos números de votos avassaladores no primeiro turno. A eleição deverá ser decidida em segundo turno", prevê. Um provável triunfo de Petro é visto com temor pela população colombiana, ante a pouca experiência do país com governos de alternância direita-esquerda. "Sempre tivemos governos de centro-direita, ao longo de nossa história", lembra. A estudiosa acredita que, caso eleito, Petro contará com maioria mínima no Congresso, o que exigirá dele sentar e debater com outras forças poíticas."
Por sua vez, Alejandro Bohorquez-Keeney, especialista em governo pela mesma universidade de Jiménez, ressalta que Petro seria o primeiro candidato de esquerda e não vinculado aos partidos e às elites políticas tradicionais a chegar à Casa de Nariño, em caso de vitória. "Ele seria muito mais um candidato alternativo. Seu triunfo simbolizaria uma espécie de cansaço da sociedade com a política tradicional", disse à reportagem.
Alejandro acha factível esperar que Petro busque solucionar o tema da corrupção e outras questões que angustiam os colombianos, mas adverte que ele encontrará travas pelo caminho. "Petro verá que não será fácil abandonar a política de linha-dura contra os cartéis e o narcotráfico. É possível vermos um recrudescimento de ações armadas por parte de grupos paramilitares e da extrema-direita colombiana", acrescentou.
Extrema-direita
Para Jiménez, o empresário e outsider Rofolfo Hernández surge de uma insatisfação da sociedade com a classe política. "Ele provém de Bucaramanga, a quinta maior cidade do país, e se firma em um discurso anticorrupção e uma retórica tão ambígua e populista, com um linguajar simples e básico. Ele pretende se conectar a pessoas que almejam uma formação política muito mais sofisticada", explicou a estudiosa. "Vejo uma certa recuperação de Hernández, mas não acredito que ele chegue a um segundo turno."
Por sua vez, Alejandro analisa Hernández como o líder autoritário que alguns eleitores colombianos apreciam pela promessa de linha-dura e pela alusão a figuras temíveis, como Adolf Hitler. "Ele está sendo bem-sucedido em mostrar uma divisão de votos. Parecia que a direita controlada pelo uribismo (simpatizantes do ex-presidente Álvaro Uribe) apoiaria Federico Gutiérrez. Mas, agora, vemos uma partilha de votos. A presença de Hernández pode beneficiar Petro e consolidar sua vitória no primeiro turno", observou, ao lembrar que o empresário retiraria votos de Gutiérrez. O professor destaca, no entanto, que Petro não tem se mostrado hábil na negociação de alianças com partidos tradicionais.