A execução de dois adultos e de 19 crianças, entre 7 e 10 anos, em Uvalde — cidade de 16 mil habitantes situada no oeste do Texas — comoveu e revoltou os Estados Unidos, uma nação que há anos tem sido vitimada por tiroteios em massa. Mas nem mesmo o massacre na Escola Primária Robb parece ter consternado a Associação Nacional do Rifle (NRA), o poderoso lobby pró-armas que se apoia na Segunda Emenda da Constituição para defender o direito à autodefesa. A dois dias da reunião anual, em Houston, a NRA divulgou um comunicado lacônico, no qual culpa "um criminoso solitário e transtornado". "Na reunião em Houston, refletiremos sobre esses eventos, oraremos pelas vítimas, reconheceremos nossos membros patriotas e prometeremos redobrar o compromisso em tornar nossas escolas seguras", conclui a nota. O ex-presidente Donald Trump confirmou que discursará no evento, amanhã.
Visivelmente aflito e irritado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursou à nação na noite de terça-feira e cobrou dos congressistas que enfrentem a NRA e aprovem legislações rígidas para impedir tragédias semelhantes. "Como nação, temos que nos perguntar quando, pelo amor de Deus, vamos enfrentar o lobby das armas. Quando, pelo amor de Deus, faremos o que todos sabemos que precisa ser feito?" disse Biden, emocionado. Horas depois, o senador Chris Murphy — um democrata de Connecticut, palco do ataque em Sandy Hook (26 mortos, em 14 de dezembro de 2012) — também não escondeu a comoção ao comentar o massacre em Uvalde. "Isso não é inevitável, essas crianças não tiveram má sorte. Isso só acontece neste país e em nenhum outro lugar", lamentou.
Ontem, algumas das crianças executadas por Salvador Ramos, 18, ganharam rosto. Kimberly Mata-Rubio publicou no Facebook uma foto da filha, Alexandria Aniyah Rubio, 10, com um diploma obtido depois de ela conseguir a nota máxima na escola. "Nós dissemos que a amávamos e que a buscaríamos após a escola. Não tínhamos ideia de que era um adeus", escreveu a mãe. Mitch Renfro deixou um tributo ao sobrinho Uziyah Garcia, que tinha a mesma idade de Alexandra. "Meu sobrinho foi vítima de um tiroteio na escola. Uma criança foi morta por um louco. Uzi, amo você, camarada. Descanse em paz", publicou.
Depois de implorar por notícias da filha, Angel Garza desabafou: "Meu pequeno amor está voando alto com os anjos. Por favor, não perca um segundo. Abrace sua família. Diga a eles que você os ama. Eu amo você, Amerie Joe". A menina morreu ao tentar telefonar para o 911 e chamar a polícia. Outro exemplo de heroísmo veio da professora Eva Mireles, 44 anos, que jogou-se sobre os alunos na tentativa de impedir que fossem atingidos pelos disparos. "Minha filhinha foi tirada de nossos braços e de nossas vidas desse jeito covarde. Tão jovem, tão inocente, cheia de vida e de amor. Que sua morte não seja em vão", afirmou Jacinto Cazares, pai de Jackie Cazares, 10.
Em meio à dor, as autoridades divulgaram detalhes estarrecedores do massacre. Às 10h10 (12h10 em Brasília) de terça-feira, meia hora antes de invadir a Escola Primária Robb, carregando uma pistola e um fuzil AR-15, Ramos deixou uma série de mensagens em sua página no Facebook. "Eu vou atirar na minha avó." Pouco depois, publicou: "Atirei na minha avó" e "Vou abrir fogo na escola primária". Em apenas 15 minutos, entrou na sala de aula do quarto ano e descarregou a munição contra crianças indefesas. De acordo com Greg Abbott, governador do Texas, Ramos "disparou na cara da avó". "Ela então contatou a polícia. O jovem armado fugiu, se envolveu em um acidente (com o carro) em frente à escola e correu para o centro de ensino", acrescentou. Outro fuzil idêntico foi encontrado no automóvel de Ramos. O assassino comprou as duas armas legalmente no dia em que completou 18 anos.
Em Richardson, no nordeste do Texas, um rapaz foi preso com um fuzil AK-47 e um simulacro de fuzil AR-15, enquanto caminhava em direção à Escola Secundária Berkner. "Os imitadores de Salvador Ramos vão se espalhar em uma semana e durante o próximo mês", previu ao Correio Loren Coleman, escritor, antropológo e especialista em comportamento, que teorizou o chamado "Efeito Copycat", fenômeno de repetição de massacres por motivação de exposição midiática. Ele citou "padrões previsíveis da natureza humana e lembrou que, em 14 de maio, um supremacista branco invadiu um supermercado na cidade de Buffalo (estado de Nova York) e matou 10 pessoas. "Normalmente, um mês após um tiroteio em massa é a data-chave para a ação de outro atirador", comentou.