Sem vacinas e remédios, a Coreia do Norte tem sido duramente atingida pelo avanço da covid-19. Mais de 2 milhões de pessoas adoeceram e pelo menos 65 pessoas morreram, mas o governo central de Pyongyang tem chamado a doença apenas de "febre", segundo a imprensa estatal.
No início do ano 2020, o país fechou suas fronteiras para tentar isolar o país da pandemia que afetava o resto do mundo. A Coreia do Norte compartilha fronteiras terrestres com a Coreia do Sul e a China, que registraram grandes surtos. A China agora está enfrentando uma onda de ômicron, com lockdowns em suas principais cidades.
Mas até hoje as autoridades da Coreia do norte têm rejeitado apoio médico estrangeiro.
Analistas apontam que norte-coreanos estão mais vulneráveis ao vírus devido à falta de vacinas e à precariedade do sistema de saúde. Um lockdown nacional está em vigor no país, mas não há informações precisas se a estratégia tem surtido efeito.
Além disso, a imprensa estatal disse que o líder do país, Kim Jong-un, tem responsabilizado autoridades de saúde por "atrapalhar" a distribuição das reservas nacionais de medicamentos.
O BBC Reality Check tem monitorado a mídia controlada pelo governo norte-coreano, que tem recomendado diversos tratamentos tradicionais contra doenças comuns, como chá quente e gargarejo com água salgada, mas sem eficácia comprovada contra a covid-19.
Bebidas quentes e o alívio de sintomas leves
Para aqueles que não estão gravemente doentes, o jornal estatal Rodong Simnun recomenda se tratar com chá quente com gengibre ou madressilva ou uma bebida à base de folhas de salgueiro.
Bebidas quentes podem aliviar alguns sintomas mais leves da covid, como dor de garganta e tosse, e ajudar a hidratação de algumas pessoas doentes.
Gengibre e folha de salgueiro também podem aliviar a inflação e reduzir a dor.
Mas eles não são tratamentos para o vírus em si, como os antivirais adotados ao redor do mundo, a exemplo do paxlovid e do molnupiravir.
Gargarejo com água salgada e sua eficácia limitada contra sintomas
A mídia estatal norte-coreana exibiu uma reportagem em que um casal entrevistado recomenda gargarejo com água salgada de manhã e de noite para combater a covid-19.
"Milhares de toneladas de sal" foram enviadas para Pyongyang a fim de ser produzida a "solução antisséptica", anunciou a agência estatal de notícias.
Por um lado, alguns estudos apontam que o gargarejo com água salgada e a lavagem das narinas com soluções salinas podem ajudar a combater vírus que causam resfriados comuns.
Mas não há evidência de sua eficácia contra a covid-19.
Além disso, enxaguantes bucais, que também foram recomendados, se mostraram eficazes contra o vírus em laboratório. Mas, novamente, não há qualquer evidência de sua eficácia contra a covid-19 em humanos.
A covid-19 é principalmente transmitida pelo ar, invadindo o corpo tanto pelo nariz quanto pela boca. Então, gargarejo só atacaria um dentre vários pontos de entrada.
Além disso, uma vez que o vírus tenha entrado no corpo humano, ele se replica e se espalha profundamente por outros órgãos, onde essa estratégia não terá alcance nem eficácia.
Analgésicos e antibióticos sem eficácia contra covid-19
A TV estatal norte-coreana também tem aconselhado pacientes a usar analgésicos e antitérmicos como ibuprofeno e antibióticos como amoxicilina.
O ibuprofeno (e paracetamol) pode reduzir a temperatura e aliviar sintomas como dor de cabeça ou dor de garganta. Mas eles não eliminarão o vírus ou impedirão que ele se desenvolva.
Antibióticos são eficazes em infecções causadas por bactérias, e não em infecções causadas por vírus.
Além disso, usar antibióticos de forma desnecessária eleva o risco de surgirem micróbios resistentes a medicamentos.
Um amplo estudo com o antibiótico azitromicina, por exemplo, descobriu que fazia pouca ou nenhuma diferença nos sintomas da covid-19, na probabilidade de internação hospitalar ou nas chances de morrer pela doença.
Existem atualmente alguns medicamentos aprovados em diversos países, incluindo o Brasil, para evitar que pessoas com covid-19 acabem no hospital:
- antivirais: paxlovid, molnupiravir e remdesivir
- terapias de anticorpos que imitam o sistema imunológico
Mas a eficácia varia bastante a depender do perfil do paciente e do momento em que o tratamento teve início em relação ao dia da infecção.
Sistema de saúde em dificuldade
O sistema de saúde da Coreia do Norte foi criado para oferecer assistência médica gratuita, desde serviços básicos em vilarejos até tratamento especializado em hospitais governamentais (geralmente em centros urbanos).
Mas a economia nacional declinou nos últimos anos por causa de sanções econômicas internacionais e condições climáticas extremas, como secas.
Além disso, o fechamento das fronteiras do país e medidas rígidas de lockdown também acarretam impactos negativos.
Sem a mesma estrutura da capital Pyongyang, o sistema de saúde no resto do país sofre com escassez de pessoal, medicamentos e equipamentos.
Kee Park, professor de Saúde Global e Medicina Social da Universidade Harvard, diz que a Coreia do Norte é um país de baixa renda com um sistema de saúde limitado.
"Apesar de uma densidade relativamente alta de profissionais de saúde, o sistema teria dificuldades para lidar com o aumento de pacientes", diz ele.
Alistair Coleman, especialista em Coreia do Norte, explica que a resposta de Pyongyang à covid sempre foi negar que o vírus exista no país.
"A resposta do Estado foi fechar as suas fronteiras e implementar uma estratégia de higiene para prevenir infeções, pulverizando locais públicos como estações de trem, escolas, hospitais, etc."
Mas o país não poderia estar menos preparado para combater a doença.
Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano passado, dizia: "Algumas das fábricas farmacêuticas, de vacinação e de aparelhos médicos não atingem o nível de boas práticas da OMS [Organização Mundial da Saúde] e também não atendem à demanda local".
Muitos desertores norte-coreanos para a Coreia do Sul disseram ter que pagar por medicamentos ou encontrar tratamento e remédios restritos a membros privilegiados do partido no poder.
A mídia estatal, por outro lado, diz que tem aumentando a produção de medicamentos.
Recusa a ajuda internacional
País de quase 26 milhões de habitantes, a Coreia do Norte recusou 3 milhões de doses de vacinas fabricadas na China no ano passado - e acredita-se que tenha rejeitado outras ofertas ligadas ao Covax, o esquema global de compartilhamento de vacinas.
A Coreia do Sul diz que não teve resposta à sua oferta de vacinas, suprimentos médicos e pessoal.
A Coreia do Norte teria enviado recentemente três aviões para coletar suprimentos médicos de Shenyang, na China. Só que não havia "suprimentos antipandemia", disse o Ministério das Relações Exteriores da China. De todo modo, o país vizinho disse estar "pronto para trabalhar com a Coreia do Norte... na luta contra o coronavírus".
Como consequência da rejeição de Pyongyang à ajuda da comunidade internacional para vacinar a população, a imunidade coletiva no país é extremamente baixa.
Apesar dos rumores de que alguns membros da elite da Coreia do Norte foram vacinados, a grande maioria dos norte-coreanos não recebeu nenhuma dose contra a covid.
De fato, durante a pandemia, a mídia estatal alertou de forma enganosa sobre a ineficácia e os perigos das vacinas contra a covid.
Sem casos confirmados de covid-19 nos últimos dois anos, a população é "imunologicamente frágil ao vírus Sars-Cov-2" e todas as suas variantes, diz o professor de Harvard Kee Park.
"Até agora eles não tiveram nenhum surto, então ninguém desenvolveu imunidade. Além disso, eles ainda precisam vacinar a população. Eles essencialmente não têm proteção imunológica", acrescenta.
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