EUA-Brasil

Futura embaixadora dos EUA em Brasília prevê eleições justas em outubro

Em sabatina no Congresso americano, Elizabeth Bagley, indicada pelo presidente Biden ao posto em Brasília, minimiza risco de turbulência em outubro e cita confiança nas instituições democráticas do país. Brasilianistas avaliam declaração

Ao fim da sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano, Elizabeth Frawley Bagley — indicada pelo presidente Joe Biden para o cargo de embaixadora dos Estados Unidos em Brasília — foi questionada, ontem, pelo senador democrata Robert Menendez sobre as eleições brasileiras de 2 de outubro. "Deixe-me perguntar-lhe sobre as tentativas do presidente (Jair) Bolsonaro de minar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro. Se a senhora for confirmada como embaixadora, que passos tomará para assegurar a integridade e o resultado das eleições democráticas no Brasil?", perguntou o congressista. "Bolsonaro tem falado muitas coisas, mas, basicamente, o Brasil é uma democracia. Eles (brasileiros) têm instituições democráticas e um sistema eleitoral democrático, além de um Judiciário e um Legislativo independentes. Eles têm liberdade de expressão e todas as instituições democráticas de que precisam para sediarem eleições livres e justas", respondeu Bagley.

Apesar de reconhecer que "não será um período fácil, por causa dos comentários de Bolsonaro, ela ressaltou a existência de um "pano de fundo institucional". "Continuaremos mostrando nossa confiança e nossa expectativa de que eles (brasileiros) terão eleições livres e justas. E estamos fazendo isso em todos os níveis", garantiu Bagley. A indicada ao posto de embaixadora em Brasília reafirmou a insuspeição dos Estados Unidos em relação à solidez do sistema eleitoral.

Bagley sublinhou que o Brasil possui "instituições democráticas fortes, uma economia aberta e um papel de liderança regional". Também frisou que as relações entre Washington e Brasília se baseiam em "compromissos partilhados com a democracia, os direitos humanos, a prosperidade, a segurança e o Estado de direito". A diplomata citou os 200 anos da independência do Brasil e lembrou que os EUA foram a primeira nação a reconhecer a ruptura com Portugal.

Por sua vez, o senador democrata Tim Kaine se disse "perplexo" com a visita feita por Bolsonaro ao presidente russo, Vladimir Putin, em fevereiro passado, pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia. "Sei que há uma eleição a caminho, e ele (Bolsonaro) declarou solidariedade a Putin. Como você pretende lidar com essa situação?", perguntou o congressista. "Eu serei muito direta com eles, porque muitas das declarações de Bolsonaro escondem o que seus diplomatas e o seu governo estão fazendo", respondeu Bagley. "Os brasileiros votaram duas vezes contra a invasão da Ucrânia (no Conselho de Segurança da ONU) e se abstiveram na Assembleia Geral das Nações Unidas", comentou. "Eu continuarei a pressioná-los sobre isso, absolutamente."

Embaixadora dos EUA em Portugal entre 1994 e 1997, Bagley admitiu que a confirmação ao cargo de representante de Washington em Brasília seria "a pedra angular" em quatro décadas de carreira no serviço público, na diplomacia e no direito. A diplomata também demonstrou preocupação com o desempenho do Brasil na proteção ao meio ambiente e prometeu encorajar os esforços para aumentar as ambições climáticas, reduzir drasticamente o desmatamento, proteger os defensores da Floresta Amazônica e processar os crimes ambientais.

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Aceitação

Kenneth P. Maxwell, professor aposentado da Universidade de Harvard e fundador do Programa de Estudos sobre o Brasil, afirmou ao Correio que gostaria que Bagley tivesse razão em suas colocações ante a Comissão de Relações Exteriores. "Mas o problema não é tanto a eleição em si. O Brasil tem um histórico invejável na condução de eleições justas e transparentes ao longo das últimas duas décadas. O problema é potencialmente mais a interpretação, a aceitação dos resultados", explicou. "Vale lembrar que Bolsonaro era muito próximo ao ex-presidente Donald Trump, que odiou perder as eleições e continua a negar que foi derrotado no pleito. Então, a questão real está no fato de saber se Bolsonaro ainda é ou não um 'Trump Tropical'. Se suas manobras recentes sugerem que ele é, então teremos tempos turbulentos pela frente."

Discípulo do falecido brasilianista Thomas Skidmore e historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), James Naylor Green considera "muito importantes" as declarações da embaixadora Bagley. "Elas reforçam uma mensagem que Biden enviou a Bolsonaro, no ano passado, por meio da CIA (Agência Central de Inteligência), de que os americanos acreditam em eleições diretas e democráticas e se opõem a qualquer golpe. Creio que, apesar de outras divergências com o Brasil, como a questão do 5G e a relação com a China, aparentemente a Casa Branca quer garantir um pleito democrático em outubro", disse à reportagem, por telefone. 

Por sua vez, Peter Hakim, presidente honorário do think tank Diálogo Interamericano (em Washington), entende que retórica de Bagley no Capitólio indica um alerta aos apoiadores de Bolsonaro de que os Estados Unidos esperam uma votação transparente. "As relações entre EUA e Brasil ficariam seriamente prejudicadas se as eleições fossem mal administradas, se o resultado for manipulado ou se houver algum tipo de golpe", advertiu o brasilianista, por e-mail. "Minha sensação é de que ninguém nos Estados Unidos está prestando atenção a Bolsonaro. Nós temos nossa retórica inflamatória caseira, o que é suficiente."

Eu Acho...

"O perigo à democracia vem mais do submundo dos simpatizantes de Bolsonaro: da mistura sombria de políticos e de milícias, do papel dos pentecostais fervorosos, talvez dos escalões mais baixos das Forças Armadas, e dos locais onde o debate racional encontra muito pouca ressonância. Aqui, os apoiadores mais ávidos de Trump são o espelho potencial dos simpatizantes de Bolsonaro."

Kenneth P. Maxwell, professor aposentado da Universidade de Harvard e fundador do Programa de Estudos sobre o Brasil

"Bolsonaro representa várias ameaças à democracia. Ele questiona as urnas eletrônicas e prepara terreno para denunciar fraude, em caso de derrota. Também pode mobilizar a base para questionar os resultados, se apertados, ou para invadir o Congresso. Ele pode não conseguir anular as eleições e buscar a consolidação da extrema-direita, fazendo oposição a um eventual governo Lula. Bolsonaro pode até estimular uma guerra civil."

James Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)