O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se prepara para uma longa guerra na Ucrânia, a qual se tornará "mais imprevisível e crescente" nos próximos meses. As forças russas pretendem capturar todo o sul da ex-república soviética, construir uma ponte terrestre ligando-o à Transnístria — região separatista situada no Moldávia — e impossibilitar o acesso dos ucranianos ao Mar de Azov. A avaliação foi feita por Avril Haines, diretora da Inteligência Nacional dos Estados Unidos. Ela prevê que as tropas de Moscou "não poderão chegar à Transístria e incluir Odessa (cidade portuária situada no sul), sem decretar uma forma de mobilização geral (de reservistas)".
De acordo com Haines, Putin enfrenta um "descompasso entre suas ambições e as atuais capacidades militares russas". Ela revelou que a Ucrânia matou pelo menos 10 generais russos. "Ele (Putin) conta possivelmente com um enfraquecimento da determinação dos Estados Unidos e da União Europeia, quando a escassez de alimentos for agravada pelo aumento dos preços da energia", advertiu. A diretora da Inteligência duvida que Putin lance mão de armamentos nucleares neste momento. "Continuamos acreditando que o presidente Putin só autorizará o uso de armas nucleares se perceber uma ameaça existencial para o Estado ou o regime russo", afirmou.
Enquanto Haines discursava no Comitê de Serviços Armados do Senado norte-americano, a Rússia intensificava os combates no leste da Ucrânia, principalmente nas regiões de Liman e Severodonetsk, na chamada bacia do Donbass. A intenção do Kremlin é "libertar" os territórios de Donetsk e Luhansk, controlados parcialmente por separatistas pró-Moscou. Isso permitiria aos russos terem acesso total ao Mar de Azov e asseguraria uma continuidade territorial com a Crimeia, península anexada por Moscou en 2014.
Na noite de segunda-feira, Odessa foi alvo de ataques com mísseis hipersônicos que destruíram o shopping center Riviera. A Rússia alega que o local era usado como armazém de armas e munições fornecidas pelo Ocidente. Uma pessoa morreu e cinco ficaram feridas. Morador de Odessa, o estudante Emil Heleta, 19 anos, admitiu ao Correio que a situação é instável na região. "Há rumores sobre o desembarque de tropas russas na costa do Mar Negro e na Transnístria. A Rússia continua tentando isolar Odessa de Ishmael, mais ao sul, ao fazer o quarto bombardeio sobre a ponte do estuário de Dniester. Se a ponte deixar de existir, a Ucrânia sofrerá danos no sistema de defesa, pois ela é a única forma de transferir rapidamente tropas e recursos para a região."
De acordo com Emil, a explosão de segunda-feira provocou uma forte onda de choque. "A noite se iluminou por um momento. Depois do bombardeio e após o nosso prédio sacudir, o único pensamento era: onde esse míssil caiu dessa vez? Minha reação foi me jogar no chão. As pessoas daqui estão acostumadas com o padrão: uma sirene antiaérea, poucos minutos de silêncio e a explosão", relatou.
Saiba Mais
Ceticismo
Analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), Petro Burkovsky não acredita que Putin será bem-sucedido na conquista do sul da Ucrânia. "Esse era um plano viável dois meses atrás. Agora, parece algo improvável. Odessa está fora do alcance do exaurido Exército russo", disse à reportagem. Ele prevê que, até o fim deste mês, a Rússia tenha perdido mais de 30 mil soldados no front e contabilizado outros 60 mil feridos. "Isso representaria 45% do contingente invasor, o que seria uma clara derrota."
Em termos práticos, Burkovsky não vê avanços na conquista do sul para Moscou. Ele lembrou que a cidade portuária de Mariupol está totalmente destruída, e os russos não a reconstruirão. Também citou que muitas pessoas fugiram de Kherson (sul) e de Zaporizhzhia. "Com isso os russos não terão força de trabalho para cultivar as lavouras e não haverá colheita. Além disso, os russos não poderão utilizar a usina nuclear de Zaporizhzhia para chantagear a Ucrânia."
A ONU anunciou que o número de mortos na guerra pode ser bem maior do que as estatísticas oficiais, que contabilizam 3.381. "O que posso dizer é que são milhares de mortos a mais do que os números que temos", disse Matilda Bogner, chefe da Missão de Monitoramento de Direitos Humanos da ONU.