Dois dias depois da decisão do Talibã de ordenar o retorno do uso do hijab (véu islâmico) que cubra todo o rosto das mulheres, o movimento fundamentalista islâmico do Afeganistão, no poder em Cabul desde 22 de agosto de 2021, defendeu a vestimenta e minimizou a condenação da comunidade internacional. Em entrevista ao Correio, por telefone, Mohammad Suhail Shaheen, atual chefe do Escritório Político do Talibã em Doha (Catar) e ex-porta-voz do grupo, explicou que o Ministério da Prevenção do Vício e da Promoção das Virtudes reinstituiu o código de vestimenta depois de dúvidas da própria sociedade afegã e de funcionários da pasta sobre o tipo de hijab a ser obedecido pelas mulheres. "Praticamente todas as nossas mulheres têm observado o uso do hijab durante toda a vida. E elas o fazem de maneira voluntária", assegurou Shaheen, fluente em inglês e educado na Universidade de Cabul. Durante o primeiro governo do Emirado Islâmico do Afeganistão — como o Talibã se intitula —, entre 1996 e 2001, ele editou o jornal Kabul Times.
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Por que o Talibã determinou que as mulheres cubram o rosto? O que motivou essa decisão?
Houve muitas dúvidas, por parte da opinião pública e de funcionários do Ministério da Prevenção do Vício e da Promoção das Virtudes, sobre qual o tipo de hijab a ser utilizado. Temos dificuldades em definir qual tipo de hijab as mulheres afegãs deveriam observar e usar, e qual é aceitável. Por essa razão, um comitê especial de eruditos religiosos foi montado. Esse comitê determinou os tipos de hijab aceitos. Qualquer roupa que cubra por completo uma mulher é um hijab para nós. A vestimenta não se limita à burca, que é um tipo de hijab, mas não o único. Há outros tipos de hijab aceitáveis e que as mulheres podem usar.
Como o senhor vê a reação da comunidade internacional de condenação a essa decisão?
A reação da comunidade internacional é improvisada. Ela se baseia em não conhecer completamente os detalhes da decisão, nem as tradições e a cultura da sociedade afegã. Praticamente todas as nossas mulheres têm observado o uso do hijab durante toda a vida. E elas o fazem de maneira voluntária. Não há peso adicional sobre elas. A nova decisão definiu o hijab de forma clara, em palavras transparentes. As mulheres não devem se sentir envergonhadas por não estarem observando o tipo correto de hijab. Como eu já disse, há vários tipos de hijab que elas podem utilizar.
Mas qual resposta o senhor daria, então, ao Ocidente?
Se a comunidade internacional aceitar que a sociedade ocidental é diferente da afegã, facilitará as coisas para nós, a fim de compreendermos uns aos outros. Em nossa sociedade, as mulheres usam o hijab voluntariamente, enquanto na ocidental elas não estão prontas para fazê-lo. Se você olhar essa decisão pelo ângulo da sociedade ocidental, parece algo estranho. Aqui, no Afeganistão, o hijab é considerado como algo que confere dignidade, civilidade e segurança às mulheres. Devemos aceitar que temos sociedades diferentes, com valores bem específicos.
Que tipo de punição uma mulher afegã sofrerá caso não cubra o rosto?
Se uma mulher não observar o hijab, ela não enfrentará nenhum tipo de punição. Em vez disso, as autoridades vão aconselhar o chefe de família a dizer para a integrante do sexo feminino que observe as regras do uso do hijab.
E se mesmo assim ela insistir em não usar o hijab?
A Corte intimará o homem para questionar por que ele, na condição de chefe de família, não segue as regras. Caberá ao tribunal determinar a punição.
Quem será considerado culpado? O chefe de família ou a mulher?
Isso é um tema jurídico. Apenas o tribunal sabe. Não sou juiz.
Quando o Talibã tomou o poder, prometeu respeitar os direitos das mulheres...
Estamos comprometidos com todos os direitos básicos das mulheres, como temos falado por várias vezes. E eles serão respeitados. O hijab não é uma coisa nova para as mulheres afegãs. Elas têm utilizado o hijab voluntariamente por toda a sua vida.
Mas por que as mulheres são obrigadas a usarem o hijab?
Porque o hijab é parte de sua crença, enquanto mulheres muçulmanas.