Será um duelo antissistema, um reflexo da insatisfação com as elites políticas e com a centro-direita, que tem governado a Colômbia pelas duas últimas décadas. No próximo dia 19, o ex-guerrilheiro e senador Gustavo Petro terá a tarefa de confirmar o favoritismo das pesquisas no primeiro turno para derrotar o engenheiro Rodolfo Hernández, um outsider populista que ganhou fôlego nos últimos dias e desbancou o direitista Federico Gutiérrez. Analistas políticos advertiram ao Correio que a missão de Petro será complicada e que, com o redesenho eleitoral após a virada de Hernández nas urnas, a histórica guinada à esquerda está ameaçada.
Ontem, no dia seguinte à eleição, vários nomes do Centro Democrático, o partido no poder, se alinharam ao lado de Hernández. Se na campanha política, Gutiérrez atacou o excêntrico milionário como "farsante" e "dissimulado", após a derrota no primeiro turno, ele convidou os seus eleitores e apoiarem o adversário. Em 2016, numa entrevista à emissora colombiana RCN Radio, Hernández disse ser "seguidor de um grande pensador alemão que se chama Adolf Hitler". O populista espera contar com a forte rejeição de setores tradicionais ao ambicioso plano de reformas de Petro.
Até o fechamento desta edição, com 99,9% das urnas apuradas, Petro tinha conquistado 8.527.768 votos (40,32%) contra 5.953.209 (28,15%) para Hernández. Gutiérrez amargou a terceira posição, com 5.058.010 (23,91%). De 39.002.239 eleitores aptos a votar, 21.418.631 exerceram o direito de escolher o próximo presidente — a abstenção de 45,09% foi a mais baixa no primeiro turno em 20 anos.
"Vejo um panorama complexo para Petro no segundo turno. Ele precisará buscar uma porcentagem significativa de votos para chegar à Presidência. Os votos soltos, que haviam sido dados a Gutiérrez e a Sergio Fajardo (quarto colocado, com 4,20%), provavelmente passarão para a centro-direita", avaliou Catalina Jiménez Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade Externado de Colombia (Bogotá). "Restará a Petro elaborar uma estratégia de convencimento desses eleitores, a fim de retirar votos de Hernández em setores populacionais mais territoriais e muito mais conservadores."
Até ontem, a coalizão de Fajardo tinha se recusado a assumir uma posição comum de apoio a Hernández. "Cada um de seus setores e movimentos (da aliança) decidirá sobre seu futuro", reiterou uma carta pública da coalizão Centro Esperanza.
Jiménez acredita que Petro precisará fazer alianças e aceitar o que lhe for proposto. "A situação de Hernández me parece um pouco mais cômoda. Provavelmente, ele tem uma sintonia maior com o discurso de centro-direita. Por isso, Hernández deve capturar, de modo mais natural, os votos de Gutiérrez no primeiro turno", avaliou.
O norte-americano Michael Shifter, professor da Universidade Georgetown (em Washington) e analista sênior do Diálogo think tank Interamericano, concorda que a tarefa de Petro é "muito complicada". "Ele estava preparado para entrar na batalha com Fico (Federico Gutiérrez), com um discurso contrário aos partidos políticos tradicionais, o qual rende muito. Petro precisará mudar o roteiro e a mensagem, pois o discurso usado até agora não funciona ante um outsider como Hernández", explicou. "Para crescer, o senador buscará aumentar o voto regional e qualificar Hernández como um salto no vazio, alguém que não teria governabilidade a partir de 7 de agosto, quando o novo presidente tomará posse."
A ironia, segundo Shifter, está no fato de Petro converter-se em uma opção mais institucionalista do que Hernández. "Petro terá que desenvolver uma estratégia dirigida aos 17,5 milhões de colombianos que se ausentaram das urnas, no último domingo. No entanto, ele precisará buscar o equilíbrio, ampliando o seu apoio entre setores do centro, enquanto mantém o entusiasmo e a lealdade da esquerda", observou.
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Vantagem
Apesar de reconhecer que o segundo turno tem suas próprias dinâmicas, Shifter aponta vantagem de Hernández sobre Petro. "Espera-se que uma grande porcentagem de votos de Gutiérrez passe para Hernández, a fim de consolidar um bloqueio anti-Petro. Hernández é um outsider similar a Alberto Fujimori ou a Donald Trump, e sua mensagem simples de anticorrupção e contra a classe política encontra muito eco em uma sociedade cansada do establishment incapaz de atender às necessidades da população", previu. "Petro poderá ter o mesmo destino de Fico. No clima atual da Colômbia, o apoio do establishment converteu-se em beijo da morte: mais prejudica do que ajuda."
De acordo com Shifter, Fico revelou-se um candidato com muitas limitações. "Ele não possuía uma mensagem muito clara e convincente, não pôde alcançar 30% dos votos nas pesquisas e foi percebido como o candidato do continuísmo do presidente Iván Duque, quando a maioria dos colombianos quer uma mudança."
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"Na Colômbia, esta eleição não siginifica uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Marca um antes e um depois. Rodolfo Hernández ganhou de Federico Gutiérrez porque o país é terreno fértil para um outsider, populista como ele. Sua mensagem, apesar de muito simplista, revela-se eficaz, ao criticar duramente a corrupta classe política. Ele também foi muito hábil no manejo das redes sociais, um fator sumamente importante. Também ajudou o fato de pesquisas terem mostrado que ele teria mais possibilidades de derrotar Petro do que Fico."
Michael Shifter, professor da Universidade Georgetown (em Washington) e ex-presidente do Diálogo think tank Interamericano
"Veremos uma campanha política complexa. Em três semanas, será preciso reacomodar estratégias. Veremos em Hernández um candidato antipartidos, contrário ao establishment, com um discurso bastante simples e pouco argumentativo, além de muito populista e que encarna valores anticorrupção. Petro abraçará um discurso mais progressista, o qual mantém as bases urbanas e um vínculo com movimentos sociais."