Accomarca, Peru- Os restos mortais de dezenas de vítimas do "açougueiro dos Andes serão enterrados nesta sexta-feira (20/5) em um pequeno cemitério em um vilarejo remoto no Peru, 37 anos após um massacre emblemático da guerra interna (1980-2000).
Na praça do povo de Accomarca, na região andina de Ayacucho (sudeste), será dado o último adeus às vítimas do massacre perpetrado por uma patrulha do Exército em 14 de agosto de 1985, entre elas vinte crianças.
Dezenas de pequenos caixões brancos com os restos mortais das vítimas, com crucifixos de prata em cima, foram velados por dois dias na igreja da cidade por seus parentes.
"Perdi minha mãe e meus cinco irmãos", disse à AFP Teófila Ochoa, que tinha 11 anos e se salvou correndo para o campo no fatídico dia.
Os soldados comandados pelo subtenente Telmo Hurtado mataram e queimaram quase todos os habitantes de Accomarca, alegando que eram membros da guerrilha maoísta Sendero Luminoso.
Hurtado, "o açougueiro dos Andes", cumpre uma pena de 23 anos de prisão pelo massacre após ser extraditado dos Estados Unidos. Dos 10 soldados condenados pelo crime, cinco estão foragidos.
"Eles os colocaram em fileiras, os colocaram em três casas com tiros, bombas e então começou a arder em chamas. Todo mundo estava gritando, foi um momento terrível", disse Ochoa, de 49 anos, que carrega uma foto em preto e branco da sua mãe
- Missa e cerimônia -
Uma missa será celebrada pela manhã na igreja onde as vítimas foram veladas na quarta e quinta-feira.
Depois, os pequenos caixões serão levados para a praça, em frente ao templo, onde foi erguido um palco de fundo branco com imagens das exumações das vítimas em uma vala comum.
Uma dezena de moradores varreu a praça pela manhã, onde se espera a chegada do chefe do gabinete ministerial, Aníbal Torres, e do chefe da Justiça, Félix Chero, para uma cerimônia. Em seguida, os caixões serão levados ao pequeno cemitério no morro de San Cristóbal, de cujo topo se avista um fértil vale.
A praça era vigiada desde o amanhecer por agentes uniformizados e civis.
Sob o lema "nunca mais", cerca de 25 estudantes entre 7 e 14 anos da escola pública "Fe y Alegría" encenaram o massacre na praça na noite de quinta-feira.
A apresentação, que incluiu uma fogueira, arrancou aplausos e lágrimas das 150 pessoas presentes. Em seguida, um coral de 10 meninas, com trajes e chapéus típicos andinos, executou uma música em quíchua.
Os familiares receberam durante o tempo decorrido o apoio do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para a busca de seus entes queridos, assim como para o enterro.
Em janeiro, a promotoria informou que "identificou 42 vítimas entre os mais de 69 moradores executados em Accomarca, cujos restos ósseos e roupas foram enterrados em uma vala comum em 2007.
"Muitos filhos poderão dar a seus pais um enterro cristão, mas há filhos que continuarão esperando, porque há partes [ossos] que ainda não foram identificadas", disse à AFP o prefeito de Accomarca, Fernando Ochoa.
O chefe municipal, de 37 anos, perdeu sua avó no massacre.
Segundo um relatório divulgado em 2003 pela Comissão da Verdade e Reconciliação, existiam cerca de 4.000 valas comuns no Peru com vítimas do conflito.
O confronto deixou cerca de 70.000 mortos e 21.000 pessoas desaparecidas, 40% delas em Ayacucho, segundo dados oficiais.
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