Washington, Estados Unidos- A médica holandesa Rebecca Gomperts, de 55 anos, se dedica há anos à luta pelo acesso ao aborto no mundo.
Famosa por seu "navio do aborto", como relata o documentário de 2014 "Vessel", ela e sua equipe - Women on Waves - navegam em águas internacionais nas costas da Polônia, Espanha, México e outros países oferecendo o procedimento a mulheres que não teriam acesso de outra forma.
Nos Estados Unidos, cresce o interesse por sua outra organização, a Aid Access, que desde 2018 oferece pílulas abortivas pela internet.
Por trás deste rápido aumento da demanda parece estar - com base em um vazamento de uma decisão da Suprema Corte - o iminente fim da proteção federal do direito ao aborto.
Depois que a Corte se pronunciar oficialmente, provavelmente em junho, cerca de 20 estados americanos devem proibir ou restringir amplamente o procedimento.
"Já estamos vendo um grande aumento das solicitações", disse Gomperts à AFP, acrescentando que algumas pessoas estão "em pânico".
A Aid Access, baseada na Áustria, está trabalhando com médicos para atender às solicitações de vinte estados americanos onde as pílulas abortivas podem ser legalmente prescritas por telemedicina.
Para outros estados, a equipe de Gompert recorre a uma brecha na legislação para enviar pílulas ao exterior.
A demanda já era alta mesmo antes da intenção da Suprema Corte vazar. Em pouco mais de um ano (de outubro de 2020 a dezembro de 2021), a Aid Access afirma ter recebido mais de 45.000 pedidos dos Estados Unidos.
Entre as razões para este volume de pedidos estão os altos custos deste serviço, as dificuldades em viajar longas distâncias até as clínicas de aborto, ou a impossibilidade por motivos de trabalho ou de quem precisa cuidar de crianças.
Após preencher um questionário, as mulheres recebem instruções sobre como tomar as pílulas. O preço é ajustado de acordo como sua capacidade financeira e os comprimidos são enviados da Índia. Em seguida, a Aid Access se comunica com as interessadas.
- As mais vulneráveis -
As pílulas são facilmente encontradas na Internet, em geral, ao custo de centenas de dólares. Mas estes sites, também com sede fora dos Estados Unidos, não oferecem aconselhamento médico.
Para Gomperts, que em 2020 foi incluída na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, a luta pelos direitos abortivos é uma questão de "justiça social".
"O maior problema é que as mulheres não alfabetizadas (..) e que não têm acesso à internet - as mais pobres - não serão capazes de encontrar estas soluções", afirma Gomperts.
Muitas podem não ter recursos para viajar a um estado onde o aborto continue sendo legal. "Estas são as mulheres que podem ser obrigadas a parir ou que podem tomar medidas drásticas para acabar com sua gravidez", acrescentou.
O resultado mais provável, disse Gomperts, será um aumento da mortalidade e da vulnerabilidade das mulheres.
- Um método considerado seguro -
De acordo com uma consulta de 2017 com milhares de mulheres dos Estados Unidos, 20% das que tentaram fazem um aborto em casa usaram pílulas, 29% usaram outras drogas, 38% recorreram a infusões de plantas e 20% tentaram métodos físicos (algumas usaram mais de um método, por isso o total excede 100%).
Durante os recentes protestos em frente à Suprema Corte, várias mulheres mostraram um objeto inquietante, parecido a um artefato de outra época: um cabide de metal - símbolo dos abortos altamente arriscados feitos de forma clandestina.
Segundo especialistas, até a décima semana de gestação, as pílulas seriam seguras. Hoje, este método representa a metade dos abortos nos Estados Unidos (a título de comparação, na França, o número é de 70%). Seu uso fora de qualquer ambiente médico é uma opção "muito aceitável", segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
As pílulas contém componentes ativos que, primeiro bloqueiam os hormônios femininos que sustentam a gestação e de 24 a 48 horas depois, induzem contrações.
Apesar de algumas raras complicações como fluxo de sangue excessivo, infecções ou reações alérgicas, o principal risco seriam as complicações legais.
A ONG If/When/How totalizou 60 casos nos Estados Unidos nos quais mulheres suspeitas de realizarem um auto aborto ou que as assistiram foram presas, condenadas e sentenciadas entre 2000 e 2020.
A organização, que diz prever "um futuro onde todas as pessoas podem determinar suas vidas reprodutivas livres de discriminação, coerção ou violência", ajuda na busca de representação legal para estas mulheres.
Há temores de que a criminalização do aborto seja ampliada caso a Suprema Corte decida reverter a sentença do caso 'Roe contra Wade', que garante o direito à interrupção da gravidez desde 1973 nos Estados Unidos.
Tal decisão, afirma Gomperts, "causa medo nas pessoas e especialmente nos prestadores de serviços de saúde e esse é o maior impacto".
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