A ativista social Muzna Shihabi esperava festejar a vida ao lado da amiga palestino-americana Shireen Abu Akleh, jornalista da emissora Al-Jazeera. Ambas se conheciam havia 22 anos e trabalhavam em um projeto de treinamento de jovens refugiados, no Líbano. A voz de Shireen, 51, um dos símbolos da causa palestina, calou-se para sempre durante a cobertura de mais uma operação das Forças de Defesa de Israel (IDF), no campo de refugiados de Jenin (Cisjordânia). Na manhã de ontem, a repórter foi atingida com um tiro na cabeça que, segundo a Al-Jazeera, teria sido disparado por soldados israelenses, apesar de identificada com um colete escrito "imprensa". "Shireen simboliza a coragem não apenas para os palestinos, mas para todos os árabes", afirmou Muzna ao Correio.
Israel negou envolvimento na morte da jornalistas, culpou "terroristas palestinos", anunciou a abertura de um inquérito e enviou as primeiras conclusões ao governo do Catar, sede do canal árabe. Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) cobraram uma investigação "imparcial" sobre o assassinato. Embaixador palestino em Brasília, Ibrahim Alzeben condenou o "ato abominável e covarde das tropas invasoras de Israel" e acusou o Estado judaico de "pretender silenciar e esconder seus crimes diários".
Em videoconferência, Shani Tayar, chefe da diplomacia pública da embaixada de Israel em Brasília, afirmou que a operação na Cisjordânia ocorreu após as IDF terem recebido informações de inteligência sobre um ataque de militantes palestinos planejado a partir do campo de Jenin. Desde 22 de março, 19 civis israelenses morreram em atentados ocorridos em cinco cidades. "Houve intensa troca de tiros dos dois lados, durante a operação em Jenin. É muito lamentável que uma jornalista tenha morrido", declarou. "Sabemos que estão culpando Israel. Estamos investigando o incidente e gostaríamos de trabalhar com as autoridades palestinas. A morte dela deu-se em meio a tiros descontrolados vindos dos terroristas. Acreditamos que um dos terroristas a atingiu. Estamos investigando", ressaltou.
De acordo com a diplomata israelense, Shireen "estava em uma área muito perigosa e no meio do fogo cruzado". "A morte dela não ocorreu de propósito. Quando uma pessoa entra em áreas assim, corre risco", disse. Israel divulgou um vídeo em que um suposto militante palestino, usando arma de grosso calibre e com o rosto coberto, dispara em direção a um beco. "Eles acertaram um soldado, ele está caído no chão", afirmam moradores.
A pessoa atingida teria sido Shireen ou o produtor Ali Al Samudi, ferido no incidente. "Estávamos indo cobrir a operação, quando abriram fogo contra nós. Uma bala me atingiu. A outra atingiu Shireen", contou. Majid Awais, uma testemunha, relatou que Shireen "se virou, em pânico", quando Al Samudi foi baleado, e acabou alvejada na parte de trás da cabeça. O ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, admitiu que os militares "não estavam seguros sobre como morreu" a jornalista. "Talvez tenha sido um palestino que disparou contra ela (...), o tiro talvez possa ter vindo do nosso lado." Hoje, Shireen receberá homenagem na sede da Autoridade Palestina, em Ramallah. Amanhã, Alzeben comandará ato solene na embaixada, em Brasília.
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Amizade
Muzna Shihabi destacou a resiliência da amiga. "Shireen perdeu os pais quando muito jovem, mas se recuperou e formou-se em jornalismo, pois queria contar a história dos palestinos. Ela se tornou a contadora de histórias das mulheres, prisioneiros e mártires palestinos. Ela é referência no mundo árabe. Todos na rua a paravam e a saudavam por sua coragem, sua determinação e maneira única de contar as histórias. Os árabes não podem ir à Palestina. Shireen trouxe a Palestina até eles", comentou.
Porta-voz da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos, Tamara Alrifai enalteceu ao Correio a habilidade de Shireen de misturar elementos humanos e o relato factual, e colocar tudo em um contexto político. "Fomos apresentadas por amigos em comum, em 2007. Shireen é um dos rostos mais famosos da mídia na Palestina. Ela é mais conhecida por sua corajosa presença no meio de tiroteios."
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"Esse é um crime contra toda a humanidade, não apenas contra os jornalistas. Israel mata diariamente nos territórios ocupados. Com esse crime, pretende intimidar jornalistas que divulgam e cobrem as suas atividades criminosas nos territórios palestinos. Isso merece uma condenação internacional e uma investigação irrestrita."
Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília
"Israel não atacou jornalistas. Israel sempre faz o melhor que pode para proteger os jornalistas que estão em seu território. Normalmente, os jornalistas que desejam ir a áreas específicas informam as autoridades israelenses e são acompanhados por um comboio das Forças de Defesa de Israel. Shireen nunca pediu esse apoio."