Oito meses após reassumir o poder com um discurso moderado sobre os direitos femininos, o Talibã anunciou a volta do maior símbolo de repressão do regime às mulheres: a burca. Em um decreto publicado ontem, o chefe supremo do grupo, Hibatullah Akhundzada, ordenou que elas cubram completamente os corpos e rostos em público, apontando esse tipo de véu como melhor opção. "Terão que usar um xador porque é tradicional e respeitoso", afirmou.
Segundo o decreto, "as mulheres que não são nem muito jovens nem muito velhas terão que cobrir o rosto quando estiverem na frente de um homem que não seja membro de sua família". O objetivo é "evitar provocações", especifica o texto. "Se não tiver algo importante para fazer fora, é melhor que fiquem dentro de casa", acrescenta. O documento também detalha as punições a que estão expostos os chefes de família que não impuserem o uso do véu integral.
Desde o retorno do grupo fundamentalista islâmico ao poder, em meados de agosto de 2021, o temido Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício publicou várias ordens sobre como as mulheres devem se vestir. Mas este é o primeiro decreto nacional sobre o assunto. Até agora, o regime exigia que elas usassem pelo menos um hijab, véu que cobre a cabeça, mas deixa o rosto descoberto.
"O Islã nunca recomendou o xador", ressaltou uma militante dos direitos das mulheres que vive no Afeganistão, em entrevista à agência France-Presse. "Os talibãs, em vez de avançar, retrocedem. Comportam-se como no seu primeiro governo, são os mesmos de 20 anos atrás", acrescentou a ativista, sem se identificar.
O Talibã impôs o uso da burca durante seu primeiro regime, entre 1996 e 2001, fase em que conduziu uma forte repressão aos direitos das mulheres, de acordo com sua rigorosa interpretação da sharia, a lei islâmica. Na época, os agentes do Ministério da Promoção da Virtude açoitavam pessoas flagradas sem a burca.
Saiba Mais
- Mundo Comissária europeia denuncia violações de direitos humanos na Ucrânia
- Mundo Reino Unido inaugura o Queer Britain, seu primeiro museu LGTBQ+
- Mundo Como um busto romano de valor inestimável acabou em loja de segunda mão do Texas
- Mundo Mãe presa após morte brutal de filho deve deixar cadeia no Reino Unido
Reação
Os Estados Unidos, que invadiram o país em 2001 e retiraram as últimas tropas em agosto do ano passado, expressaram preocupação com as novas restrições. "Estamos extremamente preocupados, porque os direitos e o progresso que as mulheres e meninas afegãs fizeram e dos quais desfrutaram nos últimos 20 anos estão erodindo", disse um porta-voz do Departamento de Estado à France-Presse. Washington e seus parceiros internacionais estão "profundamente preocupados com as recentes medidas tomadas pelo Talibã", incluindo restrições à educação e a viagens, destacou o funcionário.
A missão das Nações Unidas no Afeganistão criticou duramente o decreto e disse que a decisão cria novas dificuldades para o grupo militante obter reconhecimento internacional como o governo legítimo do país. Em um comunicado publicado em seu site, a ONU afirmou que o texto "contradiz inúmeras garantias sobre respeito e proteção de todos os direitos humanos dos afegãos, incluindo os de mulheres e meninas, que foram fornecidas à comunidade internacional por representantes do Talibã durante discussões e negociações na última década."
De volta ao poder em agosto, depois de duas décadas de presença militar dos Estados Unidos e seus aliados no país, o Talibã prometeu estabelecer um regime mais tolerante e flexível. Mas, rapidamente, tomou medidas contra as mulheres. Em março, após meses garantindo que permitiria a educação para as meninas, o Talibã ordenou o fechamento das escolas do ensino médio para o sexo feminino, poucas horas depois de abrirem suas portas. Foi uma mudança de atitude inesperada, que justificou o argumento de que "a educação das meninas deveria ser feita em conformidade com a sharia".
O Talibã também impôs a separação entre homens e mulheres nos parques públicos de Cabul, com dias de visita alocados para cada sexo. Ainda em março, os islâmicos ordenaram às companhias aéreas no Afeganistão que impedissem as mulheres de voar a menos que acompanhadas por um parente.
Com a volta do regime, as mulheres tentaram preservar seus direitos manifestando-se em Cabul e em outras grandes cidades. Mas os protestos foram violentamente reprimidos e muitas afegãs acabaram detidas por semanas.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.