No folclore russo, os "vilarejos de Potemkin" eram cenários artificiais criados para satisfazer a czarina Catherine II (1729-1796). O conde Grigory Potemkin, amante da figura mais poderosa da Rússia, quis impressioná-la com o "amor" dos cidadãos comuns e com a "prosperidade" das novas terras conquistadas de Tavrida, atual sul da Ucrânia. "A história se repete como tragédia", lamentou o ucraniano Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), ao comentar a intenção do Kremlin de realizar desfiles militares em Mariupol, no sudeste da Ucrânia, e em Moscou, na segunda-feira.
Detalhe: na capital da Rússia, o presidente Vladimir Putin fará um pronunciamento e exibirá armamentos que poderiam ser usados em uma Terceira Guerra Mundial — entre eles, bombardeiros estratégicos Tupolev Tu-160 e caças MiG-29SMT e MiG-28j. A presença do avião de comando Ilyushin Il-80 no desfile de Moscou provocou alvoroço no Ocidente: a aeronave serviria de centro de controle para Putin em caso de um ataque nuclear.
Os desfiles militares marcam o 77º aniversário da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista. Segundo Burkovsky, o desfile na Praça Vermelha, em Moscou, "ocorrerá em meio a nenhum triunfo, a perdas imensas entre os russos e a crimes de guerra, e transmitirá a imagem de um ditador fascista perante o mundo civilizado". Ele lembra que Mariupol foi transformada em escombros pelo Exército russo e "pode servir apenas como um exemplo de política genocida, não de uma vitória militar brilhante". Burkovsky prevê que a parada será humilhante para as famílias russas que perderam entes queridos na guerra e não puderam sepultá-los.
O advogado ucraniano Olexiy Plotnikov, pós-doutor em direito e morador de Odessa (sudoeste), advertiu ao Correio que o desfile de Mariupol consistiria em "violação absoluta da Convenção Europeia de Direitos Humanos, incluindo o 3º artigo, o mais protegido e inderrogável — a proibição de tratamento degradante — e da Convenção de Genebra, sobre o tratamento de prisioneiros de guerra".
Segundo ele, Putin usará a ocasião para tentar demonstrar vitória sobre o "nazismo na Ucrânia" e repetir um ritual de desfile com prisioneiros de guerra. "Josef Stálin fez isso, em 1994, na cidade de Minsk." Em relação à parada em Moscou, considera o evento "uma vergonha absoluta para os acordos internacionais sobre os direitos humanos". "Ninguém fez isso desde a Segunda Guerra Mundial", lembra.
A declaração de vitória russa parece mais propaganda para a opinião pública interna do que fato. As forças de Moscou ainda combatem homens do grupo paramilitar Batalhão de Azov entrincheirasdos no complexo siderúrgico de Azovstal, em Mariupol. Além disso, as tropas enfrentam dificuldades para controlar e anexar o Donbass, região no leste da Ucrânia.
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran explicou à reportagem que o avião Il-80 é uma espécie de quartel-general de comando. "Ele existe desde 2010. Putin quer tentar intimidar o mundo. A mensagem seria: 'Eu posso usar essa aeronave e lançar um ataque nuclear a partir dela'. Em relação aos desfiles de Moscou e de Mariupol, Putin quer mostrar que venceu a guerra. Isso não funcionará perante a comunidade internacional", comentou.
A Organização das Nações Unidas (ONU) comparou a situação em Azovstal a um "inferno sombrio" e celebrou a retirada de mais 50 civis entre centenas abrigados nos bunkers da siderúrgica. "Hoje, conseguimos evacuar de Azovstal 50 mulheres, crianças e idosos", informou a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk. Uma nova tentativa de resgate de mais um grupo será feita hoje.
Em Kiev, o prefeito Vitali Klitschko exortou os cidadãos a ficarem em alerta e a não saírem de suas casas entre amanhã e segunda-feira. Autoridades ocidentais acreditam que Putin pode aproveitar a ocasião do Dia da Vitória para declarar oficialmente guerra à Ucrânia e intensificar a campanha militar, com a possibilidade de ataques à capital ucraniana. "Também peço que não ignorem as sirenes antiaéreas e se protejam imediatamente. Nos próximos dias, há uma grande probabilidade de bombardeios com mísseis em todas as regiões da Ucrânia", advertiu o prefeito.
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Reforço
O presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou nova ajuda militar dos EUA para a Ucrânia. Biden apelou ao Congresso que autorize a verba. "Estou anunciando um novo pacote de auxílio à segurança que fornecerá munições adicionais de artilharia, radares e outros equipamentos para a Ucrânia", disse o democrata. Um alto funcionário de Washington disse à agência de notícias France-Presse que o novo pacote de ajuda equivale a US$ 150 milhões (ou R$ 762 milhões).
Durante visita à cidade ucraniana de Kherson, tomada pela Rússia há dois meses, o influente parlamentar russo Andrei Turchak admitiu, pela primeira vez, a intenção das forças de Moscou ficarem "para sempre" no sul da Ucrânia. "Gostaria de dizer, mais uma vez, aos habitantes da região de Kherson que a Rússia está aqui para sempre."
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