Com muito atraso, o Federal Reserve (FED) elevou os juros nos EUA em 0,5 ponto, a maior alta em 22 anos, para enfrentar a pior inflação em 40 anos. Prometeu ainda aumentos adicionais nas próximas reuniões, uma postura mais conservadora na política monetária, demonstrando mais atitude do que declarações. A expectativa é que os juros cheguem a 3,5% no fim do ano. Com a economia, apesar de tudo forte, o inquieto mercado norte-americano assimila o aumento com mais tranquilidade, mas espalha pânico no mundo.
A inflação ao consumidor no país mostra estabilidade com energia e commodities como os vilões. O problema é o aumento, ainda maior, do custo dos empréstimos para o consumidor e as empresas, atingindo em cheio imóveis, cartões de crédito e automóveis. Em um país rico, de vida cara, o Banco Central reage sem precisar de inteligência e criatividade, igual ao que faz o BC brasileiro, outro samba de uma nota só. Aperto monetário é o único guru poderoso para derrubar o consumo e evitar a recessão. A inflação é um pernilongo que pousa, pica e deixa ali coçando, podendo virar infecção grave.
A guerra absurda de Putin na Europa, além da morte imediata que espalha pela Ucrânia, pressiona o preço do petróleo e de alimentos, contribui decisivamente para desorganizar o mundo, ameaçando os mais pobres. Mas atinge, de alguma forma, a todos.
A China contribui também para a bagunça político-econômica mundial tanto pelos bloqueios que impõe em virtude da covid-19, que não arrefece, quanto pela característica ultra intervencionista da política interna atual. Provocou interrupções na cadeia de suprimentos, encareceu fretes, endureceu a repressão contra opositores, dificultou a concessão de vistos de entrada a estrangeiros. E convive, cada vez mais, com a certeza de que o país não vai conseguir atingir a meta de crescimento de 5,5% em 2022. Como as principais forças do crescimento são investimentos no setor imobiliário, consumo das famílias e exportações, restrições fortes para compra e venda de propriedades e imóveis, mercado de trabalho mais fraco, surtos de covid e restrições governamentais nas empresas mais produtivas, devem levar o crescimento para bem abaixo do previsto. A situação se agrava porque a parceria Xi-Putin está de pé e demonstra que o esquerdismo oriental não descansa e ainda é mais forte do que o diálogo. Especialmente quando chamam invasão de país de "busca de resultados estratégicos".
A Europa é a região mais atingida pelos efeitos econômicos do descontrole emocional da Rússia. Novas previsões para crescimento econômico já levam em consideração uma forte queda no crescimento da região. Além disso, a expectativa de inflação cresceu com algum risco de estagflação. Sem contar que o preconceito contra imigrantes se agrava.
O Brasil não se emenda e não sabe se comportar internacionalmente. Os dados da economia não são bons. Indústria caiu, mesmo com exportações em alta. Mercado permanece bem fraco, gerando preocupação em toda a cadeia do setor automotivo. Comércio um pouco melhor, mas ainda abaixo de 2021.
Um consumidor com dificuldades, em virtude da queda real de salários, endividamento, mercado de trabalho fraco e juros em forte elevação. Sem preço e renda é difícil convencer alguém a ser consumidor. O fantasma da inflação alta e da remarcação voltou. Estocar e fazer despensa fica cada vez mais difícil. Mudar de marca, comprar no bairro, usar pouco carro mostra o que é a inflação e como começa a queda da qualidade de vida da população.
Em outubro tem eleição com forte característica e superficialidade doutrinária, mas diferente do que vemos em países europeus e nos EUA. Lá a doutrina se dá por diferentes visões de política, enquanto no Brasil, por antagonismo e rixa. Esse tipo de eleição diminui o peso de argumentação econômica e gera um debate com menos conteúdo e densidade. O baixo orgulho que a lei e a ordem despertam no país explica porque a noção de dever e responsabilidade com o futuro estão escancaradamente mal situados no discurso dos candidatos. Eleição dogmática não deixa espaço para escolha programática.
E, para piorar tudo, a convergência sem ambiguidade dos dois principais candidatos à Presidência apoiando a Guerra da Rússia revela o nível do humanismo na cabeça de líder. Há opiniões que expressam a alma. E guerra é o fim da política, decisão de matar e engolir o sol dos outros. É nesse clima de desorganização e símbolos ruins que o brasileiro passará pela torrente de melancolia até as urnas de outubro.
PAULO DELGADO, sociólogo
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