Rússia X Ucrânia

Guerra na Ucrânia: a busca desesperada por ucranianos sequestrados por russos após invasão

Em qualquer vilarejo na região a oeste de Kiev, a capital da Ucrânia, onde o Exército russo aterrorizou a população civil por um mês, é possível escutar uma história sobre alguém que desapareceu

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Joel Gunter - Kiev
postado em 05/05/2022 22:07 / atualizado em 05/05/2022 22:07
Marido de Olena Kuksa foi levado por soldados russos -  (crédito: BBC)
Marido de Olena Kuksa foi levado por soldados russos - (crédito: BBC)

Vira Kryvoshenko ajoelhou-se no chão perto da porta da frente de sua casa e implorou: "Por favor, não leve meu filho".

Foi talvez uma coincidência trágica do destino que Valeriy tenha chegado ao local ao mesmo tempo que os "espíritos malignos", como ela os chamava.

Ele estava na cidade de Makhariv entregando comida e remédios para Vira e seus vizinhos — idosos que não podiam ou não queriam fugir dos russos.

Vira olhou para cima. Os soldados russos estavam a poucos metros de distância, pintando com spray símbolos "V" em seu carro, para evitar fogo amigo quando se afastassem. Foi quando um deles — apenas um menino, conta Vira, "da idade do meu neto" — pegou um walkie-talkie.

"Um carro está prestes a chegar, não atire", disse ele.

Vira ergueu-se com a ajuda de sua bengala e implorou em voz alta. "Por favor, não leve meu filho." Na verdade, Valeriy Kuksa era seu genro, mas ela o chamava de filho. Os russos o estavam embora. O jovem soldado ergueu sua arma parcialmente. "Volte para dentro, vovó", disse ele. "Ele só vai nos ajudar a empurrar o carro para fora."

Mas Valeriy foi colocado no banco do motorista do carro dela e teve uma arma apontada para sua cabeça, diz Vira. Ela ainda tinha expectativa de que ele olhasse para trás. Foi a última vez que Vira o viu.

Vir Kryvoshenko e sua filha Olena
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Vir Kryvoshenko e sua filha Olena. O marido de Olena, Valeriy, foi levado por soldados russos

Em qualquer vilarejo na região a oeste de Kiev, a capital da Ucrânia, onde o Exército russo aterrorizou a população civil por um mês, é possível escutar uma história sobre alguém que desapareceu. Um irmão que foi levar gasolina para um amigo e nunca mais voltou para casa. Um pai que saiu para trabalhar e sumiu. Um filho que, sob a mira de armas, não olhou para trás.

Antes da invasão, Maria Sayenko via seu pai Mykola o tempo todo — ele morava a poucos metros de distância dela no vilarejo de Hurivshchyna e vinha quase todos os dias para ver seu neto recém-nascido. Então, em um dia no início da ocupação russa, ele desapareceu. "Meu pai saiu de casa e nunca mais voltou", diz Maria. "E ninguém o viu em lugar nenhum."

Um vizinho disse que achava que Mykola tinha ido para o vilarejo vizinho em uma missão, mas ele não conseguia se lembrar disso com certeza. Sua casa estava exatamente como ele a deixou.

Maria registrou um boletim de ocorrência por meio de um serviço automatizado online e esperou. Tudo o que Maria sabe é que seu pai, Mykkola Medvid, um mecânico de automóveis de 56 anos, saiu de casa em 18 ou 19 de março e nunca mais voltou.

"Fomos aos vilarejos mais próximos e mais distantes", diz Maria. "Ele não estava na casa de um amigo, em um posto de controle. Nem morto, nem vivo. É como se ele tivesse desaparecido no ar."

Maria Sayenko em seu jardim em Hurivshchyna
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Maria Sayenko em seu jardim em Hurivshchyna. "É como se meu pai tivesse desaparecido no ar", diz ela

'Já volto'

A poucos quilômetros dali, no vilarejo de Shpytky, Yulia Zhylko estava sentada dentro de seu carro na garagem de casa olhando para uma foto de seu irmão Yakiv em seu celular.

Eles eram muito próximos, diz ela, e com apenas um ano e duas semanas de diferença de idade — 36 e 37 anos, respectivamente, ainda moravam com seus pais.

Em 11 de março, um amigo de Yakiv ligou para dizer que precisava de gasolina. "Meu irmão é muito gentil. Ele disse: 'Vou levar combustível para ele e já volto'", conta Yulia.

Yulia ainda continua falando sobre seu irmão no presente, apesar de não saber o que lhe aconteceu.

Soldados ucranianos encontraram o carro de Yakiv, no acostamento da rodovia, crivado de balas. Quando Yulia chegou ao local, depois que os russos foram embora, o veículo já estava completamente queimado. Mas não havia sinais de um corpo.

"Ligamos para todos os lugares, fizemos todos os registros possíveis", diz Yulia. "Eles (autoridades) pegaram todas as informações — tamanho do sapato, cor dos olhos, tipo sanguíneo, cicatrizes, tudo."

Yakiv não tinha tatuagens, algo de que sua mãe se orgulhava. Foi, portanto, classificado como "sem marcas distintivas na pele". Yulia registrou o boletim de ocorrência e se juntou à longa lista de pessoas à espera de notícias.

Yulia Zhylko
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Irmão de Yulia Zhylko desapareceu. " Nós ligamos para todos os lugares, fizemos todos os registros possíveis", diz ela

Em Makhariv, a família de Valeriy Kuksa esperava ansiosamente por notícias. Ainda não havia energia na cidade, e Vira estava sentada no escuro, ao lado do fogo, com a filha Olena e o neto, Danyl.

A família havia feito um boletim de ocorrência junto à polícia local, mas Olena estava preocupada de que algo pudesse estar errado e que, por causa disso, seu marido não seria encontrado.

Ela queria viajar à cidade de Bucha, na região central, para obter informações pessoalmente com a polícia, mas havia buracos de bala no para-brisa de seu carro.

Nervosa, Olena andou pela casa procurando por fotos recentes de Valeriy. Ela não encontrava nenhuma impressa. A casa estava escura e havia buracos de bala nas paredes e cacos de vidro no chão.

Um morteiro atravessou o telhado e dois outros detonaram no jardim, espalhando estilhaços pela casa.

Tudo o que Olena conseguiu encontrar foram algumas fotos de passaporte. Ela as colocou em uma pasta com o passaporte de Valeriy e pegou uma carona para Bucha.

Na delegacia, os boletins de ocorrência de desaparecidos ainda estavam chegando, pelo menos 10 por dia.

Os parentes de alguém desaparecido preenchem um boletim de ocorrência policial padrão. Todas as noites, os documentos são levados pela polícia para uma cidade uma hora ao sul, processados e carregados em um banco de dados.

Ali, as autoridades também coletam fotos dos mortos nos necrotérios locais e as publicam em um grupo aberto no aplicativo de mensagens Telegram, com uma breve descrição do corpo.

Em Bucha, a polícia assegurou a Olena que os registros de seus colegas em Makhariv estavam no sistema geral e que Valeriy não figurava na lista dos mortos identificados. Mas havia pelo menos 200 corpos não identificados em Bucha, acrescentaram os policiais, e ele poderia estar entre eles. Olena também foi aconselhada a checar as fotos dos necrotérios no Telegram.

Olena Kuksa segura fotos de passaporte de seu marido desaparecido na delegacia
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Olena Kuksa segura fotos de passaporte de seu marido desaparecido na delegacia

Enquanto voltava para Makhariv, Olena sentou-se silenciosamente inspecionando as imagens horríveis. Então, começou a chorar. "Minha alma dói, não apenas pelo meu marido, por todas essas pessoas", diz ela. Depois de um tempo, tentou não olhar para as fotos e apenas ler o texto em busca de algo que pudesse corresponder a Valeriy. Eventualmente, desistiu. "Isso é o máximo que posso aguentar por enquanto", diz ela.

Olena viu pela janela enquanto um carro se aproximava de sua casa. Ao longo da estrada, cegonhas faziam ninhos em cima dos postes do telégrafo — um sinal no folclore ucraniano de que boas famílias ocupavam as casas abaixo. Mas as mesmas casas estavam marcadas por buracos de balas ou completamente destruídas por granadas, e as famílias passaram por terríveis sofrimentos e perdas.

Ela ouvira histórias sobre pessoas levadas para Belarus, para a Rússia; de civis devolvidos em trocas de prisioneiros no sul da Ucrânia. Todo mundo que teve um parente desaparecido parecia ter ouvido as mesmas histórias. Olena queria viajar para Kiev para falar com a vice-primeira-ministra do país, Iryna Vereshchuk, responsável pelas trocas, mas a polícia de Bucha disse que não. Todas as informações sobre Valeriy estavam no lugar certo, diziam, ela só tinha que esperar.

Então, três dias depois, o telefone de Olena tocou e a mulher disse estar ligando do gabinete de Iryna Vereshchuk. Perguntou se estava falando com "a mulher de Valeriy Kuksa". Olena sentiu um aperto no peito e respondeu: "Sim, é ela".

A mulher informou que Valeriy havia sido identificado vivo entre os reféns na Rússia. Onde ele estava, ou quando Olena poderia vê-lo novamente, ela não sabia dizer. Mas ele estava vivo. "Está tudo bem", diz Olena, entre lágrimas. "Ele vai voltar para nós. Eu posso esperar."

Anna Pantyukhova contribuiu para esta reportagem. Fotografias de Joel Gunter.


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