O presidente Joe Biden pediu, nesta terça-feira (3/5), para defender o direito ao aborto nos Estados Unidos, após o vazamento explosivo de um rascunho da decisão da Suprema Corte para eliminá-lo, o que define o assunto como central nas eleições legislativas de novembro.
A possível anulação da decisão judicial histórica no caso Roe vs. Wade de 1973, que consagrou o direito ao aborto nos Estados Unidos, coloca o tema no centro do debate político antes das eleições de meio de mandato, nas quais os democratas podem perder o controle do Congresso.
Na prática, significaria que as leis sobre o aborto ficariam em mãos das legislaturas estaduais e espera-se que metade dos estados introduzam proibições ou novas restrições à interrupção voluntária da gravidez.
O aborto é a mais feroz de todas as batalhas da guerra cultural e os republicanos pressionam há anos para anular Roe vs. Wade, algo quase inevitável depois que o ex-presidente Donald Trump nomeou três juízes conservadores, inclinando o equilibro da Suprema Corte para a direita.
Biden, cuja popularidade está em queda, aumentou as apostas para as eleições de novembro, tradicionalmente desfavoráveis ao partido no poder, alertando que outros direitos estão ameaçados.
"Acredito que o direito de escolha da mulher é fundamental (...) e a justiça básica e a estabilidade de nossa lei exigem que ela não seja revogada", disse Biden em comunicado.
"Caberá aos eleitores eleger" os funcionários que apoiem o direito ao aborto, afirmou o presidente, prometendo trabalhar para aprovar uma legislação no Congresso que codifique Roe vs. Wade, algo impossível de conseguir a menos que haja muitos outros democratas no Congresso.
Em declarações posteriores à imprensa, Biden foi além: classificou o rascunho da decisão como "radical" e alertou sobre uma "mudança fundamental na jurisprudência americana" que poderia questionar o futuro do casamento homoafetivo e até "como se cria um filho".
"Significaria questionar qualquer outra decisão relacionada à noção de privacidade", afirmou.
"Autêntico", mas não "final"
O vazamento do rascunho da decisão é algo sem precedentes e afeta a reputação da Suprema Corte como o único ramo apolítico do governo americano.
O presidente do tribunal máximo, John Roberts, confirmou que o documento publicado pelo site de notícias Politico é "autêntico", mas alertou que não representa necessariamente a "decisão final" do tribunal.
Roberts ordenou uma investigação sobre o vazamento, o qual classificou como "traição".
Multidões de manifestantes de ambos os lados se reuniram em frente à sede da Suprema Corte em Washington.
Em Roe vs. Wade, a Suprema Corte determinou que o acesso ao aborto é um direito constitucional. Em uma decisão posterior em 1992, no caso Planned Parenthood vs. Casey, o tribunal garantiu o direito da mulher a abortar até que o feto seja viável fora do útero, o que costuma acontecer entre as 22 e 24 semanas de gestação.
A maioria dos países desenvolvidos permite abortos com limite gestacional, geralmente até as 12 semanas.
Roe vs. Wade transformou os Estados Unidos em uma das poucas nações que permitem o procedimento sem restrições depois das 20 semanas de gravidez, embora muitos outros também o tenham autorizado posteriormente por motivos específicos.
O rascunho da decisão está vinculado a uma lei estadual do Mississippi para proibir a maioria dos abortos depois da 15ª semana. A decisão do tribunal de nove membros, seis deles conservadores, deve ser anunciada em junho.
O Comitê Nacional Republicano defende que as decisões sobre o aborto voltem a ser tomadas pelos governos estaduais. "O Partido Republicano sempre defenderá a santidade da vida", afirmou.
"Errado desde o início"
O rascunho da opinião majoritária foi escrito pelo juiz Samuel Alito e circulava dentro do tribunal desde fevereiro, informou o site Politico na segunda-feira.
O texto de 98 páginas datado de 10 de fevereiro qualifica o Roe vs. Wade como "extremamente errado desde o início".
"Consideramos que Roe e Casey devem ser anulados", escreve Alito no documento, intitulado "Opinião do Tribunal".
"É hora de atender à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo", diz ele.
O Instituto Guttmacher, que apoia o direito ao aborto, afirmou que 26 estados "com certeza ou provavelmente" proibirão o aborto se Roe vs. Wade for anulado.
Os governadores democratas de vários estados, entre eles Califórnia, Novo México e Michigan, anunciaram rapidamente planos para consagrar o direito ao aborto por lei, mesmo se a Suprema Corte anular Roe vs. Wade.
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