Horas depois de visitar Kiev e de se reunir com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, deu uma declaração que foi interpretada como indicativo da estratégia dos Estados Unidos para o conflito no leste da Europa. "Nós queremos ver a Rússia enfraquecida a ponto de não poder fazer o tipo de coisas que fez ao invadir a Ucrânia", afirmou Austin, acompanhado do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em entrevista no lado polonês da fronteira ucraniana. Eles anunciaram ajuda militar adicional de US$ 322 milhões (ou R$ 1,5 bilhão) à Ucrânia.
No mesmo dia, Moscou acusou Kiev de atacar a aldeia de Juravliovka, em território da Rússia, ferindo dois civis. O chanceler russo, Serguei Lavrov, advertiu que "o perigo" de uma Terceira Guerra Mundial "é real e não se pode subestimá-lo". Ele avisou que a ajuda à Ucrânia significa que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) "está, em essência, engajada em uma guerra contra a Rússia". Lavrov também disse que as armas ocidentais são "alvos legítimos". Os EUA, a França, a República Tcheca e outros aliados estão mandando dezenas de projéteis de artilharia de longo alcance à Ucrânia.
Zelensky assegurou que a vitória ucraniana é "inevitável". "Muitas cidades estão sob controle temporário do Exército russo. Não tenho dúvidas de que é uma questão de tempo até liberarmos nossa terra." Ben Wallace, ministro da Defesa britânico, estima em 15 mil o número de soldados russos mortos em combate.
Diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative, em Kiev, Peter Zalmayev disse que os EUA têm agravado a retórica bélica e admitem o desejo de verem a derrota da Rússia. "É bem próximo a uma declaração de guerra", afirmou ao Correio. Segundo ele, as sanções financeiras começam a impactar a invasão à ex-república soviética. "Os russos não querem travar uma batalha pela ocupação de Mariupol, que pode ter custo muito alto. Sabem que a Otan está unida contra eles."
Zalmayev minimiza a ameaça moscovita. "Os generais e diplomatas russos, entre eles Lavrov, estão desesperados para fornecer retórica triunfante. Uma guerra mundial pode ou não ocorrer. Existe um risco, mas a Rússia travaria esse 'conflito mundial' por conta própria. O perigo maior repousa sobre Moscou."
Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política, em Kiev — avalia que as declarações das autoridades russas são quase inócuas e alvejam a opinião pública interna. "A Rússia quer assustar a Ucrânia. Ela entende somente a linguagem das armas. As principais forças do Exército da Rússia se concentram na fronteira entre os dois países, o que torna a abertura de nova frente algo irracional", disse à reportagem.
Oleksandr Pogrebyskyi, sargento do batalhão de voluntários "Irmãos em Armas", viajará de Kiev ao leste do país para combater os russos. Ele crê que Putin está ciente de uma derrota. "Por isso, Moscou busca ameaçar o mundo a não ajudar a Ucrânia. É preciso reforçar as sanções, para que a Rússia não implemente as ameaças", admitiu ao Correio.
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Combates
Odesa, cidade portuária às margens do Mar Negro, sofreu bombardeios intensos pelo terceiro dia consecutivo, desde que a Rússia anunciou o desejo de capturar o sul e criar um corredor entre a região do Donbass (leste) e a Crimeia, península anexada em 2014. Abrigada com a irmã e a mãe em um apartamento, Karyna Lohvynenko, 17 anos, precisa se refugiar na garagem subterrânea sempre que as sirenes antiaéreas soam. "Os últimos três dias foram muito difíceis. As sirenes tocam com intervalos de poucas horas. De repente, foguetes começam a voar sobre a cidade. É muito assustador, fico sem saber o que fazer. Sei que preciso correr, mas para onde?", desabafou ao Correio.
Karyna vivia em Oleshky, na região de Kherson (sul), ocupada pela Rússia. "Desde o primeiro dia da guerra até 6 de abril, quando fugimos, passávamos as noites no porão de uma loja. Caças sobrevoavam Oleshky todos os dias, escutávamos os tanques e as rajadas de metralhadoras. Meu amigo foi morto pelos russos, ontem (domingo), sobre a Ponte Antonovsky. Era militar. A ambulância tentou salvá-lo e foi fuzilada." Ontem, os russos bombardearam cinco estações ferroviárias nas cidades de Khmerynka e Koziatyn, na região de Vinnytsia (centro-oeste).
Eu acho...
"Eu vivia em Oleshky, na região ocupada de Kherson (sul). Minha mãe, minha irmã e eu fugimos de lá em 6 de abril. Depois de passarmos os postos de controle russos, chegamos a uma base montada pelos ucranianos. Chorei. Pela primeira vez em um mês, me senti segura. Estamos incrivelmente orgulhosos de nosso exército e do fato de termos defensores tão corajosos, além de voluntários que ajudam a encontrar apartamentos e trazem ajuda humanitária."
Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia)