ELEIÇÕES NA FRANÇA

Divididos, franceses rejeitam caminho conservador e reelegem Macron

Com ajuda dos eleitores da esquerda, que optaram por um presidente pró-europeu a uma líder de extrema-direita, Emmanuel Macron é reeleito. Vitória foi confirmada com 58,6% dos votos para o candidato de centro

O presidente francês Emmanuel Macron, 44 anos, foi reeleito ontem ao derrotar sua rival de extrema-direita Marine Le Pen. O resultado da disputa, que será proclamado oficialmente na quarta-feira, mostrou que, mesmo em um país dividido, a maioria dos franceses rejeitou seguir por um caminho conservador. Em seu segundo mandato, o centrista tem como desafio conquistar uma maior estabilidade econômica, uma das áreas de maior insatisfação da população atualmente, e também precisará enfrentar uma forte oposição, que promete dificultar a aprovação de suas reformas.

O desfecho do pleito, que também foi marcado por uma alta taxa de abstenção e um recorde de votos para conservadores, tranquiliza líderes mundiais, que temiam descompassos internacionais caso a ultradireitista vencesse.

Pouco antes das 21h (horário no Brasil) a apuração foi totalizada, indicando a vitória do candidato de La República en Marcha (LREM), com 58,6% dos votos, contra 41,4% de sua adversária do Reagrupamento Nacional (RN). Uma diferença menor do que em 2017, quando derrotou Le Pen com 66,1%. Após a divulgação dos resultados prévios, as comemorações explodiram entre a multidão presente no Campo de Marte, ao pé da Torre Eiffel, onde Macron fez seu discurso de vitória.

O vencedor da disputa eleitoral acenou positivamente para os franceses que estão insatisfeitos com a sua conquista. "De agora em diante, não sou mais o candidato de um campo, mas, sim, o presidente de todos", declarou. O centrista também prometeu um "método renovado" para dirigir o país.

A reeleição de Macron ocorreu em um cenário de descontentamento entre os jovens e entre os eleitores desiludidos do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que recebeu quase 22% dos votos no primeiro turno. "Entre a peste e a cólera, devemos tomar a decisão certa", declarou à Agência France-Presse (AFP) de notícias Pierre Charollais, um aposentado de 67 anos que vive em Rennes, no oeste do país, e que defendeu um "voto responsável" em um contexto "particular" devido à guerra na Ucrânia.

A taxa de abstenção do pleito ficou em 28,01%, atingindo, assim, o seu nível mais elevado em um segundo turno desde 1969 (31,3%). Macron é "o presidente mais mal eleito" desde o início da Quinta República, em 1958, comentou Mélenchon.

 

Ludovic MARIN / AFP - Em festa da vitória, Macron fala com apoiadores e distribui sorrisos
Ludovic MARIN / AFP - 'Agora sou o presidente de todos', declarou o vencedor
Thomas COEX / AFP - Feliz, Macron posa para fotos no discurso da vitória
Thomas COEX / AFP - Macron, emocionado, chega na festa da vitória da reeleição, em frente à torre Eiffel, em Paris
Thomas COEX / AFP - Macron e a esposa, Brigitte Macron, celebram e falam com apoiadores na festa da reeleição

O resultado da disputa presidencial mostrou que a maioria dos franceses preferem continuar com um líder pró-europeu, que também se tornou o primeiro a conseguir a reeleição desde 2002, quando o conservador Jacques Chirac venceu o pai de sua rival nas urnas, o ultradireitista Jean-Marie Le Pen.

Com Macron na liderança da França, os planos da candidata da extrema-direita para o país, como a exclusão de estrangeiros dos benefícios sociais, inscrevendo a "prioridade nacional" na Constituição, e o abandono do comando integrado da Otan, se tornam mais distantes.

Le Pen reconheceu sua derrota cerca de 15 minutos após a divulgação das estimativas que indicaram o resultado favorável para seu adversário. Apesar da vitória de Macron, ela garantiu que o resultado nas eleições presidenciais da França representa para seu partido "uma brilhante vitória", já que sua porcentagem de votos é o melhor desempenho da extrema-direita em uma eleição presidencial no país. "Vou seguir meu compromisso com a França e os franceses (...) Vou lutar esta batalha", declarou a herdeira da Frente Nacional (FN) aos seus eleitores.

Em relação a 2017, a candidata da extrema-direita cresceu oito pontos, e mostrou, mais uma vez, como o campo ideológico que representa tem feito avanços constantes a cada eleição, desde 2002. Essa ascensão tem sido acompanhada com temor por lideranças progressistas. "Quando vemos uma extrema-direita acima de 40%, temos que continuar trabalhando, unir o país, ter um projeto político e uma maioria parlamentar", declarou o ministro de Assuntos Europeus, Clément Beaune, ao comentar o resultado do pleito francês.

Alívio europeu

As reações de chefes de estado europeus foram praticamente imediatas ao resultado das estimativas que revelaram a vitória de Macron. "Espero continuar nossa extensa e construtiva cooperação dentro da União Europeia e da Otan e fortalecer ainda mais o excelente relacionamento entre nossos países", declarou Mark Rutte, primeiro-ministro holandês. É um "voto de confiança para a Europa", afirmou o chanceler alemão Olaf Scholz.

Muitos líderes ressaltaram a vitória do presidente no contexto diplomático, devido ao importante papel de uma das maiores economias da União Europeia em parcerias internacionais. "Podemos contar com a França por mais cinco anos", declarou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. "Caro Emmanuel Macron, parabéns pela sua reeleição como presidente da República. Estou ansiosa para continuar nossa excelente cooperação. Juntos, vamos fazer avançar a França e a Europa", ressaltou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

O posicionamento de Macron no cenário internacional foi um dos fatores de peso para conquistar sua reeleição. A atual ofensiva russa na Ucrânia trouxe à tona a hiper liderança do presidente centrista que, apesar de fracassar em sua tentativa de evitar a guerra, reforçou sua aura internacional entre os franceses. Para a cientista política Denilde Holzhacker, o resultado das urnas é motivo de comemoração para seus líderes vizinhos.

"A vitória do Macron é um alívio para a Europa, porque Le Pen significaria uma ruptura muito grande, ainda mais em momento crítico de guerra na Ucrânia. Sem contar o apoio que ele dá à União Europeia, que é algo muito importante", destacou.

Mas não será um mandato fácil para Macron. A especialista destaca que o presidente francês enfrentará um caminho repleto de desafios em seu segundo mandato. "Ele venceu, mas terá pela frente um governo complexo. Sua vitória veio muito por conta do apoio da esquerda, que se opôs à extrema direita. Com isso, ele enfrentará uma forte resistência em suas decisões, principalmente em relação às políticas econômicas, suas reformas e programas sociais, o que tem sido a sua maior dificuldade até aqui", explicou.

"Não será um segundo mandato tranquilo, tanto do ponto de vista interno e externo, devido, principalmente, à estabilidade do contexto europeu e global", acrescentou. Entre as promessas de Macron para transformar a França, estão o "renascimento" da energia nuclear, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e sua medida impopular de aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos, embora o presidente já tenha dito que está disposto a se limitar aos 64 anos.

A França agora se prepara para a campanha das eleições legislativas, que serão realizadas entre 12 e 19 de junho, com ares de um "terceiro turno". "Lançamos essa noite a grande batalha eleitoral das legislativas", frisou Le Pen em seu discurso de derrota. O cargo também é cobiçado pela esquerda. Mélenchon reiterou seu apelo aos eleitores para torná-lo um "primeiro-ministro".

De acordo com uma pesquisa BVA divulgada na última sexta-feira, 66% querem que Macron perca sua maioria parlamentar. Contar com uma maioria parlamentar é essencial para que o presidente reeleito conclua seu programa reformista, que deixou estacionado em um primeiro mandato marcado por uma série de crises, como protestos sociais, uma pandemia e a invasão russa da Ucrânia.

 

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