O presidente francês, Emmanuel Macron, se mantém favorito no segundo turno das eleições presidenciais neste domingo (24/4), disputado contra Marine Le Pen, líder da direita radical.
Macron vem ampliando progressivamente sua vantagem, mas ela permanece bem menor do que na eleição de 2017 que garantiu sua vitória sem dificuldades.
Se for eleito, como indicam as pesquisas, o centrista deverá se beneficiar mais do sentimento de rejeição de parte do eleitorado em relação à rival, com votos destinados a barrar a chegada da direita radical ao poder, do que de uma real adesão às suas ideias e ao seu programa de governo.
Segundo uma pesquisa Ipsos em parceria com o Centro de Pesquisas Políticas da universidade Sciences Po para o jornal Le Monde, realizada com quase 13 mil pessoas, 39% dos eleitores que pretendem votar em Macron no domingo têm como motivação impedir que Le Pen seja eleita, enquanto 25% afirmam que as ideias do centrista são mais próximas das suas e 36% dizem confiar nele.
No caso de Le Pen, 42% afirmam aderir às ideias da candidata da direita radical e 38% têm o objetivo de evitar que Macron seja reeleito. Os 20% restantes dizem confiar na candidata do Reunião Nacional (ex-Frente Nacional) .
A mesma pesquisa indica 56% para Macron e 44% para Le Pen no segundo turno. Em geral, Macron lidera as últimas pesquisas com 53% a 57,5% dos votos contra 42,5% a 47% para Le Pen. Em 2017, Macron venceu Le Pen com 32 pontos percentuais de diferença.
"Nada está garantido", declarou o presidente na quinta-feira (21/4) como uma forma de mobilizar o eleitorado.
Um dos desafios de Macron é seduzir o eleitorado de esquerda, sobretudo o de Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda radical que obteve quase 22% no primeiro turno, e que terá um papel crucial no resultado do domingo. Mélenchon declarou que "nem um voto deve ser dado a Le Pen", mas não lançou, no entanto, um apelo para votar em Macron.
A progressão de Macron nas pesquisas nos últimos dias é devida justamente a parte do eleitorado de Mélenchon que antes pensava em se abster ou votar branco ou nulo - até então majoritária em várias pesquisas - e pretende agora escolher o presidente para impedir a eventual chegada de Le Pen ao poder.
Mesmo assim, paradoxalmente, alguns eleitores de Mélenchon, entre 19% e 25%, têm a intenção de optar pela candidata da direita radical no domingo.
Uma pesquisa do Opinionway para o jornal Les Echos, divulgada na sexta (22/4), indica que agora mais da metade dos eleitores do Mélenchon (54%) prevê votar em Macron, isso representa um aumento de sete pontos percentuais em relação à pesquisa da véspera. Ao mesmo tempo, o total que votou em Mélenchon e tem a intenção de optar por Le Pen caiu de 27% para 23%. O restante (23%) prevê se abster ou votar branco ou nulo.
Macron vem multiplicando declarações voltadas para o eleitorado de esquerda, sobretudo o público de Mélenchon, que atrai principalmente jovens, preocupados com questões ambientais, e as classes mais populares (que nesse caso também optam por Le Pen). Macron chegou a utilizar termos da campanha de Mélenchon, como "planificação ecológica".
Após uma campanha praticamente inexistente no primeiro turno por opção estratégica, já que liderava as pesquisas, se recusando inclusive a participar de debates, Macron foi a campo de forma intensa nesse segundo turno, multiplicando visitas em várias localidades, inclusive Marselha, um bastião de Mélenchon, e uma periferia pobre parisiense, com população imigrante, onde o líder da França Insubmissa conquistou praticamente metade dos votos em 10 de abril.
Macron sofre de um sentimento de rejeição em uma parcela da população, sobretudo nas camadas mais populares. Uma parte dos franceses está decepcionada com seu primeiro mandato e exprime revolta contra ele optando pela líder da direita radical.
Apelidado de "presidente dos ricos" por alguns, ele parece na visão de uma fatia do eleitorado, segundo pesquisas, desconectado das preocupações dos franceses, arrogante e menos disposto a mudar a situação. É por isso que Le Pen tenta transformar a votação em uma espécie de "referendo anti-Macron."
Ao mesmo tempo, ele é visto pela maioria dos franceses, de acordo com pesquisas, como alguém com estatura de chefe de Estado, capaz de enfrentar crises e representar uma boa imagem da França no exterior, diferentemente de Le Pen.
Frente republicana
Outra dificuldade para Macron é que o primeiro turno no dia 10 revelou que nunca a direita radical esteve tão forte na França. Ela reuniu 32% dos votos, somados os três candidatos (Le Pen, o extremista Éric Zemmour e o nanico Nicolas Dupont-Aignan).
Exatos vinte anos após Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, ter chegado ao segundo turno nas presidenciais de 2002, o que suscitou protestos gigantescos na França e a vitória de Jacques Chirac com mais de 82% dos votos, a chamada frente republicana (união de diferentes partes do espectro político para barrar a direita radical e ideias contrárias aos valores da República) vem recuando na França.
"O reflexo cidadão de votar no segundo turno da presidencial para o candidato que enfrenta a extrema direita se enfraquece, tanto à direita quanto à esquerda", escreve o jornal Le Monde.
A estratégia de Le Pen, adotada há vários anos, de mudar a imagem do partido fundado por seu pai, a chamada "desdiabolização", funcionou para parte do eleitorado. Pesquisas indicam que cada vez menos franceses a consideram uma ameaça à democracia, embora ela ainda seja vista dessa forma por praticamente metade da população.
Ela focou sua campanha, nas últimas semanas, em questões ligadas ao poder aquisitivo, a principal preocupação dos franceses nesse período de alta da inflação. Isso levou os demais candidatos, inclusive Macron, a anunciar projetos nessa área.
Alguns eleitores de esquerda, principalmente os que votaram em Mélenchon, da esquerda radical, se dizem "cansados" de barrar a extrema direita sem que isso represente uma melhora da situação no país.
"Há cada vez mais reticências em aplicar a frente republicana. Em uma sociedade polarizada, é difícil se aliar a alguém que foi combatido durante anos. É preciso fazer pedagogia junto aos eleitores sobre o tema do menos pior", diz a cientista política Nonna Mayer.
Houve várias manifestações na França em 16 de abril contra Le Pen e a direita radical, mas sem apelos explícitos para votar em Macron, que foi alvo de críticas em cartazes e slogans, apesar das mensagens de "nem um voto para Le Pen".
Macron espera reativar a frente republicana e, mais do que tentar convencer os eleitores a aderir ao seu programa na reta final da campanha, ele vem tentando passar a imagem de representar uma muralha contra a ameaça nacionalista de Le Pen. Ela pretende restabelecer o controle de pessoas e mercadorias nas fronteiras da França que já circulam livremente dentro da União Europeia, entre outras medidas polêmicas.
"No primeiro turno você vota no projeto que te corresponde mais. No segundo, você opta pelo que te parece mais próximo. Você elimina, faz uma barragem", disse Macron em uma entrevista na TV.
Abstenção
"Devemos escolher o que é melhor para si e para a sociedade, mesmo que não seja exatamente o (candidato) que queremos", declarou o presidente em outra entrevista. Macron também alertou os que pretendem se abster no domingo, principalmente os jovens, lembrando os resultados da votação do Brexit, no Reino Unido, e da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.
No debate na TV entre Macron e Le Pen, na quarta-feira, o único realizado em toda a campanha, o presidente foi visto como mais combativo e o mais convincente, segundo pesquisas. Macron chegou a dizer que Le Pen provocaria uma guerra civil na França com sua proposta de banir o véu islâmico (que cobre apenas os cabelos) das ruas e espaços públicos do país. O comentário foi uma forma de acusar a candidata da direita radical de dividir a sociedade francesa.
Além da transferência de votos do eleitorado de Mélenchon, a taxa de abstenção no segundo turno é outro fator decisivo. No primeiro turno, ela ficou em 26,3%, uma das mais altas dos últimos anos. O índice foi ainda maior entre os jovens. No domingo, ele poderá ser superior aos 25,4% do segundo turno em 2017, segundo projeções.
"Haverá provavelmente uma abstenção como sinal de protesto político", prevê o especialista Pascal Perrineau, professor da universidade Sciences Po.
"O cenário mais provável é uma vitória de Macron, que deve se situar entre 54% e 56%", afirma Brice Teinturier, diretor-geral do instituto Ipsos.
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