A mais de 8,7 mil quilômetros de casa, em visita oficial à Índia, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, enfrenta novo capítulo de uma crise política provocada por ele mesmo. Ontem, em decisão por consenso e sem a necessidade de votação, a Câmara dos Comuns aprovou uma moção do Partido Trabalhista para que o chamado "comitê de privilégios" investigue se o premiê enganou o Parlamento ao negar ter violado regras de lockdown contra a covid e participado de festas em Downing Street, sede do governo. A previsão é de que a investigação dure meses até a elaboração de um relatório com as conclusões.
"Este debate é sobre honestidade, integridade e dizer a verdade neste lugar", declarou o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer. Johnson reagiu à formação da comissão de inquérito, mas voltou a negar responsabilidade no caso. "Não quero que isso continue para sempre. No entanto, honestamente, não tenho nada a esconder", disse a repórteres. Na noite de quarta-feira, Johnson tentou impedir a votação por meio de uma emenda. Curiosamente, 15 minutos antes do início do debate no Parlamento, o governo preferiu não apresentá-la. Para especialistas, seria sinal de mais uma rebelião conservadora.
Professor emérito da Universidade de Buckingham, o britânico Anthony Glees admitiu ao Correio que a nova investigação conduzida pelo Parlamento representa um "grave assunto" para Boris Johnson. "A posição do premiê está substancialmente enfraquecida. O inquérito buscará determinar se foi intenção dele enganar o Parlamento em várias ocasiões. Talvez a mais importante delas tenha sido o pronunciamento feito em 8 de dezembro de 2021, quando Johnson não apenas repetiu que se ausentou das festas, como descartou a existência delas e assumiu que todos os regulamentos foram respeitados", explicou. De acordo com o estudioso, a defesa do primeiro-ministro insiste que ele genuinamente não imaginava violar as leis de seu próprio governo.
"Johnson não tentou contestar a decisão, mas disse que esteve em uma festa por apenas nove minutos, em Downing Street, e que o evento foi uma surpresa. É um princípio fundamental que um premiê não deve mentir para o Parlamento. Mesmo uma mentira não intencional seria motivo de renúncia", observou Glees. O estudioso adverte que, caso Johnson tenha um rendimento ruim nas eleições locals de maio, poderá estar acabado. Ainda segundo ele, seria verdadeiramente perigoso um chefe de governo seguir no poder, depois de ter mentido. "Isso institucionalizaria a mentira como um dispositivo do primeiro-ministro, além de tornar o Partido Conservador cúmplice de atividade criminosa." (RC)