“Não importa quantos soldados forem trazidos até aqui, lutaremos. Vamos continuar lutando e nos defendendo, e estamos fazendo isso diariamente. Nós não desistiremos de nada que seja ucraniano, mas não precisamos de nada que não seja nosso”, declarou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ao discursar em vídeo e anunciar o início da ofensiva russa contra o Donbass — região do leste do país controlada parcialmente pelos separatistas pró-Moscou. “Agora podemos dizer que as tropas russas começaram a batalha pelo Donbass, para a qual se prepararam durante muito tempo. Uma grande parte de todo o Exército russo se dedica agora a esta ofensiva”, afirmou.
Nos últimos dias, a Rússia moveu 11 novos batalhões para o leste e o sul da Ucrânia, além de mobilizar artilharia pesada e aviação. “A ofensiva em Donbass foi deflagrada, de fato, no sábado”, admitiu ao Correio Oleksandr Honcharenk, prefeito de Kramatorsk — cidade na região de Donetsk onde 57 pessoas morreram no bombardeio a uma estação ferroviária, 11 dias atrás.
A parte ocidental da Ucrânia foi alvo de pesados bombardeios, ontem. Pela manhã, quatro foguetes atingiram Lviv, matando sete civis e ferindo 11. “O que vemos é um genocídio”, proclamou Andriy Sadovyi, prefeito da cidade de 800 mil habitantes situada a 80km da fronteira com a Polônia. O Exército russo informou que destruiu, com “mísseis de alta precisão” um “centro logístico e importantes lotes de armamentos estrangeiros, fornecidos à Ucrânia pelos EUA e países europeus, que estavam estocados” perto de Lviv.
Para Artem Oliinyk, diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev), a batalha pelo Donbass pode se tornar um “ponto de virada” na guerra. “O objetivo da Rússia não é apenas tomar os territórios de Donetsk e de Lukansk, mas também desmantelar as Forças Armadas da Ucrânia. O leste do país é um território preparado para os combates, os quais não cessam desde 2014. Outro alvo para o Kremlin é Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, impossível de ser capturada. A Rússia quer desestabilizar a Ucrânia e destruí-la, enquanto Estado.”
O britânico Frank Ledwidge, estrategista militar da Universidade de Portsmouth (Reino Unido), prevê uma longa batalha em Donbass. Segundo ele, o Exército russo conta com graves problemas endêmicos, além de não estar bem preparado para esse tipo de combate. “O moral dos soldados está baixo. Os novos recrutas e reservistas recentemente convocados não estarão prontos para se juntar às tropas pelas próximas semanas ou meses. Os ucranianos mobilizaram as melhores unidades e combateram naquela região pode quase oito anos”, afirmou, por e-mail.
Ledwidge crê que os russos não poderão repetir as falhas logísticas do cerco a Kiev. “A artilharia e o poderio aéreo de Moscou serão um grande desafio, embora os ucranianos tenham demonstrado, até agora, que podem se defender bem. Será uma longa campanha, desde que o Ocidente continue a fornecer armas.”
Combatentes seguiam entricheirados em uma siderúrgica de Mariupol, onde 20 mil civis teriam morrido. “Sabotem as ordens dos ocupantes. Não cooperem com eles (...) Resistam”, ordenou Zelensky. Em meio à disputa pela cidade portuária no sudeste da Ucrânia, a televisão estatal russa divulgou um vídeo de dois prisioneiros, identificados como os cidadãos britânicos Shaun Pinner e Aiden Aslin, capturados em combates na Ucrânia, que pedem ao primeiro-ministro Boris Johnson para negociar sua libertação.
Medo em Leviv
A escritora Anastasia Levokova, 35 anos, vive há 12 em Lviv. Ela relatou à reportagem que, desde 24 de fevereiro, a cidade tinha sido atacada três vezes. “Hoje (ontem), aconteceu por volta dos 8h30 (2h30 em Brasília). Nós escutamos as explosões de nossa casa, uma atrás da outra. Vi o vidro da janela do imóvel à frente do nosso tremer, vibrar. Soube que sete pessoas morreram”, contou. “Contei cinco explosões, com intervalos de um minuto entre elas. Tive medo.”
Parlamentar eleita por Lviv, Halyna Vasylchenko disse ao Correio que estava na cidade ontem pela manhã, mas não escutou os bombardeios. “Eu ouvi o barulho das explosões nas duas outras ocasiões. É algo medonho.” Ao ser questionada sobre o motivo da intensificação dos bombardeios, ela respondeu que os russos pretendem semear o medo entre os civis. “A intenção é causar pânico e desestabilizar a Ucrânia. Moscou ampliou os ataques para destruir alvos estratégicos, como depósitos de munição e de combustível, fábricas e centros logísticos, como ferrovias”, acrescentou. No entanto, Halyna tem a convicção de que os russos seguem um objetivo claro: destruir a nação ucraniana.
Yuriy Dyachyshyn/AFP - Fumaça escura sobe ao céu em Lviv: primeira ofensiva com mortes
Sergey Bobok/AFP - Mulher caminha perto de local bombardeado pelas forças russas, em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia
"Não existe mais cidade segura", diz Halyna Vasylchenko
"Houve quatro ataques de mísseis em Lviv pelos ocupantes russos, hoje (ontem) pela manhã. Três mísseis atingiram a infraestrutura militar, e um dos projéteis atingiu uma oficina, onde estavam 20 civis. No momento, sete civis morreram e 11 ficaram feridos, incluindo um garotinho de 3 anos, que estava em um hotel próximo, cujas janelas explodiram. Ele e a mãe vieram de Kharkiv, tentando escapar da guerra. Mas a guerra os encontrou.
Lviv é a cidade na parte ocidental da Ucrânia, perto da fronteira polonesa. Nossa cidade tornou-se um local de refúgio para aqueles que fogem da guerra. Não existe mais cidade segura na Ucrânia agora. Dezenas de carros também ficaram queimados. Até então, os russos haviam atacado Lviv por duas vezes, em 54 dias, com os seus mísseis. Mas não houve baixas civis. Infelizmente, desta vez tivemos vítimas.
Os ocupantes russos continuam os bombardeios sobre cidades ucranianas e civis inocentes. Eles destroem de propósito a infraestrutura civil. De forma cínica, continuam a matar os ucranianos. Os líderes mundiais devem se unir contra a Rússia, uma nação assassina e terrorista. Um país como a Rússia ameaça o mundo inteiro. Os ucranianos estão defendendo o mundo democrático agora. Mas, para uma luta mais eficiente contra a agressão russa, a Ucrânia precisa de mais armas, e o mundo precisa impor sanções mais duras contra Moscou."
Halyna Vasylchenko - Parlamentar ucraniana eleita como representante de Lviv
Putin condecora os carrascos de Bucha
Morador de Bucha, a 15km de Kiev, o jornalista Yevhen Kizilov, 46 anos, não ficou surpreso ao saber que os militares que executaram o seu pai foram condecorados pelo presidente russo, Vladimir Putin. "É bem normal para esse bastardo doente elogiar os monstros que ele criou", desabafou à reportagem, por meio do WhatsApp. Em 4 de março, soldados da Rússia invadiram a casa de sua família, levaram Valeriy Kizilov para o jardim e o mataram com um tiro na cabeça. Depois, trancaram Lyudmila, mãe de Yevhen, no porão. A cidade de pouco mais de 36,8 mil habitantes foi palco de um massacre — mais de 400 corpos foram encontrados abandonados no meio das ruas, dentro dos imóveis e jogados em covas coletivas.
Ontem, Putin concedeu um título honorário à 64ª Brigada de Infantaria Motorizada, responsável pela incursão em Bucha. O titular do Kremlin enalteceu "o heroísmo, a tenacidade, a determinação e a coragem" das tropas, que ganharam o status de "Guarda". "As ações habilidosas e decisivas de todo o pessoal na operação militar na Ucrânia são um exemplo de execução de dever militar, coragem, determinação e grande profissionalismo", escreveu Putin aos militares.
Prefeito de Bucha, Anatoliy Fedoruk reagiu com indignação ao anúncio, ao ser questionado pelo Correio. "Isso uma vez mais confirma que foi Putin quem ordenou a matança de civis! É necessário que ele seja julgado por isso!", afirmou, também por meio do WhatsApp. Antes, em publicação em sua página do Facebook, Fedoruk classificou a condecoração como "assustadora". "Está claro que Putin entende tudo o que se passa na Ucrânia e aprova as ações. O verdadeiro genocídio de civis comuns durante essa guerra sem causa será comprovado. Putin e seus guardas malucos responderão por isso!", escreveu Fedoruk.
Eu acho...
"A grande batalha no leste da Ucrânia pode se desenrolar em duas direções. A mais pessimista envolve a perda das forças ucranianas e a continuação da ofensiva profunda da Rússia. O inimigo sofrerá enormesbaixas. A otimista contempla a vitória da Ucrânia e a liberação de seus territórios. Mas essa direção também significa que os russos reunirão mais tropas e recursos, e utilizarão meios de destruição em massa paradeter a ofensiva das tropas ucranianas. Há o temor de atentados terroristas contra instalações nucleares e de novos crimes de guerra."
Artem Oliinyk, diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev)
"No caso de novo fracasso operacional completo, em que a Rússia não consiga romper as linhas ucranianas, poderemos ver alguma escalada por parte de Moscou. Esta é uma opção que seu planejamento e seu treinamento permitem. Vejo a possibilidade do uso de armas químicas ou mesmo de uma pequena arma nuclear tática. Quando digo pequena, seria algo para destruir um aeroporto ou uma base militar. Não consigo decifrar a mente de Putin, mas é difícil imaginar que ele toleraria a humilhação de uma derrota absoluta."
Frank Ledwidge, estrategista militar da Universidade de Portsmouth (Reino Unido)