Quase 50 milhões de franceses estão aptos a decidir o futuro de um país marcado pelo envelhecimento da população e pela ascensão da extrema-direita, representada pelas figuras de Marine Le Pen e de Éric Zemmour. Os eleitores que forem às urnas, neste domingo (10/4), decidirão entre a continuidade das políticas reformistas do presidente Emmanuel Macron, que provocaram uma onda de protestos nos últimos anos, e uma guinada rumo ao ultraconservadorismo.
As mais recentes pesquisas indicam uma disputa apertada entre Macron, do partido A República Em Marcha, e Le Pen, do Reagrupamento Nacional. Dos 10 adversários na corrida ao Palácio do Eliseu, apenas Jean-Luc Mélenchon, candidato do partido de extrema-esquerda França Insubmissa, representa alguma ameaça para Macron e Le Pen. Os primeiros resultados devem ser conhecidos ainda hoje. O segundo turno está marcado para 24 de abril.
Macron foi bastante criticado pela demora em engajar-se na campanha e chegou a ser tachado de “arrogante” por parte do eleitorado. Priorizou o conflito na Ucrânia, na tentativa de destacar o papel de líder da Europa. Quando percebeu que Marine Le Pen ganhava força, acusou a rival de mentir ao adotar um tom mais moderado do que o pai, Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, e de esconder um programa de governo racista. O esperado alto índice de abstenção, que deve superar o recorde registrado no primeiro turno de 2002 (28,4%), e os indecisos provavelmente terão papel determinante no pleito.
Cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, Jean-Yves Camus acredita que Macron ganhará de Marine, no primeiro turno, mas adverte que a vantagem do atual presidente tem diminuído. “Macron atingiu o pico nas pesquisas com o começo da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, ao tentar atuar como negociador entre Moscou e Kiev. No entanto, muito
rapidamente ele caiu nas sondagens, enquanto Le Pen ganhou eleitores por ter feito a escolha correta desde o início da campanha: ela aborda as preocupações diárias dos trabalhadores e da classe média. Os temas mais discutidos por Marine são os salários, a aposentadoria, a recessão, o aumento nos preços do petróleo e da gasolina”, explicou ao Correio.
Camus aposta que, na noite de hoje, assim que os resultados oficiais forem anunciados, a França assistirá a um grande apelo dos candidatos eliminados para impedir uma eventual vitória de Le Pen no segundo turno — o que seria uma catástrofe para os republicanos. “Apenas Zemmour deverá apoiar a candidata, pois ele pretende reconstruir a direita e ter uma aliança que abranja os partidos Les Republicains e Reagrupamento Nacional”, previu.
Reserva de votos
O especialista acredita em uma vitória com margem reduzida de Macron no segundo turno: 52% contra 47%. “Isso seria recorde histórico para Marine. A reserva de votos dela está com Zemmour — 80% dos eleitores do ultradireitista pretendem apoiá-la”, explicou. No entanto, Camus adverte que Le Pen precisará seduzir os eleitores que se abstiveram no primeiro turno e ainda obter o apoio de alguns votantes da esquerda radical. Uma tarefa virtualmente improvável. “Sua melhor chance é a de que muitos eleitores da esquerda que apoiaram Macron em 2017, porque queriam evitá-la a qualquer custo, agora se oponham à agenda de Macron e aos métodos de governo do presidente e prefiram a abstenção”, disse Camus.
“A indecisão também é um sinal do cansaço democrático”, analisou, em sua edição de ontem, o jornal Le Parisien, para o qual o fio condutor da campanha é a inquietação dos franceses “com o mundo que os cerca e seu futuro imediato”, mas sem um consenso.
Bertrand Badie, professor emérito da Universidade Sciences Po de Paris, disse ao Correio que Macron e Le Pen provavelmente confirmarão, hoje, uma disputa no segundo turno, durante o qual a candidata da extrema-direita deverá capturar os votos de protesto. “O erro de Macron foi ter se afastado da campanha. Ele é considerado arrogante pelos chamados eleitores flutuantes, que não se prendem a um determinado partido”, avaliou. “No segundo turno, é provável que Macron tente conquistar eleitores da esquerda e estigmatize a extrema-direita. Ele também buscará dramatizar o contexto internacional.”
Analistas temem que, com uma eventual vitória de Le Pen no segundo turno, em 24 de abril, a França acompanhe o Reino Unido e tente se separar da União Europeia (UE), o que levaria ao colapso da integração. Também existe o temor de que a extrema-direita no poder coloque em xeque o papel de liderança da Europa. Com a saída de Angela Merkel do poder e a ascensão de Olaf Scholz na chanceleria alemã, Macron tem procurado se firmar como a principal figura política europeia.
Em relação a Zemmour, Badie cita a falta de experiência política e de apoio dentro do partido como as principais causas de seu derretimento nas pesquisas de intenção de voto. “Os eleitores dele vêm das classes média e alta, não das mais pobres”, observou. Um fator curioso é que, enquanto Macron aglutina os votos dos mais velhos, o discurso de Le Pen seduz a parcela mais jovem da população francesa.
Migração
Pós-doutor em ciência política, especialista em esquerda e ex-professor de universidades de Paris, Thomás Guénolé explicou à reportagem que os eleitores têm migrado para a extrema-direita há décadas. Em 1982, ele lembra que cerca de 50% eram adeptos dos candidatos da esquerda. Trinta anos depois, esse índice caiu pela metade. “Em 1982, quase zero porcento dos votantes eram de extrema-direita. Agora, somam um terço. A melhora de desempenho de Le Pen nas sondagens ocorre porque, cada vez mais, eleitores de Zemmour decidem votar nela, a fim de assegurar a extrema-direita no segundo turno”, comentou.
“A probabilidade de Marine Le Pen ganhar o segundo turno é muito baixa. No entanto, não chega a ser zero. Ela precisaria de um cenário altamente improvável, porém possível: um inesperado alto número de eleitores a apoiando, em vez de Macron; e um grande número de votantes da esquerda optando pela abstenção e abandonando Macron”, afirmou Guénolé. Ele não descarta que Mélenchon, da extrema-esquerda, chegue ao segundo turno, no lugar de Le Pen. Nesse caso, segundo o especialista, Macron seria facilmente reeleito.
Ludovic Marin/AFP - Macron, candidato à reeleição pelo partido Liberal La Republique en Marche, visita mercado aberto de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris: esforço no fim da campanha
Pontos de vista
Voto de protesto determinante
Por Bertrand Badie - Professor emérito da Universidade Sciences Po de Paris
“Por enquanto, o presidente Emmanuel Macron aparece à frente das pesquisas eleitorais. No entanto, o seu desempenho nas eleições de hoje dependerá do índice de abstenção e da escolha a ser feita pelo eleitor da esquerda. É verdade que o perigo fascista nunca foi tão alto na França, com a ascensão da extrema-direita de Marine Le Pen. O comportamento de protesto é mais determinante do que o alinhamento ideológico. Antes da questão econômica, existe um nível de confiança baixo nas instituições políticas e um medo inspirado pela globalização.”
O peso da economia
Por Jean-Yves Camus - Cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris
“A taxa de desemprego está caindo, mas os novos tipos de trabalho são de contratos a baixos salários e a curto prazo. Por outro lado, os preços estão em ascensão. O custo do petróleo, da gasolina e da eletricidade surte pesada carga para a classe média. A reforma da previdência, de Macron, suscita oposição, pois implica em trabalhar até os 67 anos para uma aposentadoria cheia. Na pandemia, vimos que o sistema de saúde está à beira do colapso por falta de financiamento público. Le Pen é a candidata dos excluídos. Macron apela aos que podem contribuir com o sonho de uma nação de jovens empreendedores.”
Liberalismo ao extremo
Por Thomas Guénolé - Ph.D. em ciência política e ex-professor das universidades Panthéon-Assas e Paris-Est Créteil
“As contas estão chegado ao teto para todos cidadãos franceses. Isso torna o presidente Emmanuel Macron cada vez mais impopular. Além disso, ele é odiado por muitos eleitores da esquerda por ser visto por eles como excessivamente liberal. Muitos eleitores da direita, por sua vez, o odeiam porque se recordam que ele foi ministro no governo esquerdista sob a presidência de François Hollande. E muitos eleitores de todas as partes do espectro político o odeiam porque acham que o atual chefe de Estado é arrogante. Tudo combinado, torna mais difícil para Macron ser reeleito.”