A resposta da Casa Branca às supostas atrocidades cometidas pelas forças russas em Bucha, a 15km de Kiev, capital da Ucrânia, envolveu retórica e ação. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, qualificou como "crimes de guerra graves" e cobrou punição ao regime do russo Vladimir Putin. "Tenho certeza que vocês viram as imagens de Bucha: corpos deixados nas ruas quando as tropas russas se retiraram, alguns com tiros na parte posterior da cabeça e as mãos amarradas atrás das costas", declarou o democrata. "O que está acontecendo não é outra coisa senão crimes de guerra graves", disse. "Civis executados a sangue frio, corpos jogados em valas comuns, a brutalidade e a falta de humanidade foram vistos por todo o mundo, não tem desculpa. O que está acontecendo são crimes de guerra graves", repetiu. Como prometido, os EUA anunciaram novo pacote de sanções "devastadoras" contra a Rússia. A intenção de Washington é tornar a Rússia um "pária" na economia mundial.
As mais recentes restrições impostas por Washington a Moscou impossibilitam investimentos na Rússia. Também preveem o congelamento de todos os ativos nos EUA do banco público Sberbank e do Alfa Bank, o maior banco privado russo. As sanções implicam, ainda, duas filhas adultas de Putin — Maria Vorontsova e Katerina Tikhonova ficarão sujeitas ao congelamento de ativos em território norte-americano e isoladas do sistema financeiro dos EUA.
A esposa e as filhas do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, e membros do Conselho de Segurança russo receberam a mesma punição. "Deixei claro que a Rússia pagaria um preço alto e imediato por suas atrocidades em Bucha. Hoje, com aliados e parceiros, estamos anunciando nova rodada de sanções devastadoras", escreveu Biden no Twitter.
Em discurso no Parlamento da Irlanda, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, voltou a colocar a comunidade internacional contra a parede. "Não posso tolerar nenhuma indecisão depois de tudo o que vivemos na Ucrânia e tudo o que as tropas russas fizeram", afirmou. Na terça-feira, em duro pronunciamento na ONU, ele exigiu que o Conselho de Segurança tome uma atitude ou se dissolva. Putin rompeu o silêncio sobre Bucha, ontem, e chamou de "provocação grosseira e cínica" a denúncia sobre o massacre.
O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, preferiu usar um termo ainda mais grave do que aquele adotado por Biden. "Quando você olha para o que está acontecendo em Bucha, as revelações sobre o que Putin está fazendo na Ucrânia, não parece longe de um genocídio, na minha opinião", comentou o conservador. O governo britânico anunciou sanções que determinam "o fim das importações britânicas de energia russa" e afetam dois bancos e empresários.
Por sua vez, durante a tradicional audiência geral das quartas-feiras, no Vaticano, o papa Francisco protagonizou um gesto carregado de simbolismo: desfraldou e beijou uma bandeira da Ucrânia retirada de Bucha e entregue por um fiel. "Esta bandeira vem da guerra, da cidade martirizada, Bucha", disse. O líder católico comentou que as últimas notícias da guerra "mostram novas atrocidades, como o massacre de Bucha, (mostram) uma horrenda crueldade, cometida também contra civis, mulheres e crianças". "São vítimas cujo sangue inocente clama ao céu e implora para que acabemos com esta guerra", acrescentou o papa.
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Especialistas
Diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev), Artem Oliinyk criticou o fato de a comunidade internacional ter dado passos decisivos em resposta à guerra somente depois do suposto massacre em Bucha. "Os serviços de inteligência da Ucrânia estimam que crimes ainda mais terríveis foram cometidos em cidades vizinhas, onde os russos proibiram a retirada de centenas de pessoas dos escombros. Hoje (ontem), Mariupol começou a operar crematórios móveis. O Kremlin pretende esconder as reais consequências dos crimes", explicou à reportagem. O prefeito de Mariupol, no sudeste, chegou a falar em 5 mil civis mortos.
De acordo com Oliinyk, as novas sanções são ineficazes para deter os invasores, ainda que enfraqueçam a Rússia e a levem a um default (calote). "É claro que estamos felizes, mas queremos medidas decisivas". Oliinyk cita como ações urgentes uma missão humanitária de resgate dos civis em Mariupol e em outras cidades ocupadas e a transferência de armamento pesado para Kiev.
Analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), Petro Burkovskyi crê que as ferramentas mais dolorosas das sanções são a proibição de empresas e bancos russos de usarem o dólar e o euro para pagar dívidas, e restrições ao Sberbank. "As empresas russas dependem de linhas de crédito do governo e dos mercados financeiros internacionais. Sem acesso a eles, serão forçadas a entrar em default e nacionalizadas pelo governo", advertiu.