Depois de ordenar a suspensão do fornecimento de gás para a Polônia e a Bulgária, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, prometeu uma retaliação "rápida como um raio", caso o Ocidente interfira na Ucrânia. "Se alguém pretender intervir nos eventos em andamento na Ucrânia e criar ameaças estratégicas inaceitáveis para nós, deve saber que nossa resposta será rápida como um raio", avisou. Ele acrescentou que as tropas russas "dispõem de todas as ferramentas para isso". "Quero que todos saibam disso. Já tomamos todas as decisões a esse respeito", advertiu. Mais cedo, a União Europeia (UE) acusou a Rússia de "chantagem" ante o corte do suprimento de gás.
O grupo russo Gazprom alegou que os governos polonês e búlgaro não pagaram pelas remessas de gás em rublos, descumprindo ordens de Putin. Dmitri Peskov, porta-voz do Kremnlin, assegurou que a suspensão é uma reação às "ações hostis sem precedentes" de Varsóvia e de Sófia, ambos membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da UE.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, denunciou "uma nova tentativa da Rússia de nos chantagear com o gás" e assegurou que os 27 países-membros do bloco elaboraram uma "resposta coordenada" a um eventual corte do envio do combustível a toda a UE. "Hoje, o Kremlin falhou uma vez mais em sua tentativa de semear divisão entre os Estados-membros. O fim da era dos combustíveis fósseis russos na Europa está próximo", disse ela. Chefe de política externa da UE, Josep Borrell sublinhou que "o que a Rússia faz hoje é tornar a dependência um ato de agressão".
Tanto a Polônia quanto a Bulgária afirmaram que o abastecimento com gás será suprido por outras fontes. Em pronunciamento diante de um ponto de transmissão de gás, perto de Varsóvia, o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki disse que as instalações de armazenamento de gás estavam 76% cheias e que o país está preparado para "obter gás de todas as outras partes possíveis".
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Escalada
Ex-embaixador dos Estados Unidos na Polônia, Daniel Fried — especialista do instituto Atlantic Council (em Washington) e ex-subsecretário para Europa e Eurásia do Departamento de Estado norte-americano — afirmou ao Correio que as decisões da Gazprom são uma "escalada das ameaças de Putin para a Europa". "O uso da energia como arma foi algo que os EUA vinham alertando há bastante tempo. A guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia, que inclui o assassinato de civs, a destruição de cidades e outros prováveis crimes, está acompanhada pela intensificação das ameaças contra a Europa e, agora, pela transformação da energia em arma", advertiu Fried, que acumulou mais de 40 anos de carreira diplomática e foi conselheiro de Segurança Nacional dos presidentes Bill Clinton e George H. Bush.
De acordo com ele, a Europa é bastante dependente do gás russo, mas tem tomado providências para reduzir a influência de Moscou. "O mais recente uso de gás como arma pela Rússia deverá acelerar essa tendência. A Polônia tem sido líder nesse aspecto, mas a UE também mostra-se ativa no apoio a uma rede de gasodutos secundários, que fazem o transporte do gás do oeste da Europa e da Alemanha para países mais dependentes do produto, no Leste Europeu e no centro do continente. Esse trabalho também ganhará força."
Benjamin L. Schmitt, especialista da Universidade de Harvard e do Centro para Análise Política Europeia, concorda que o "dramático" corte de fornecimento de gás russo "é o exemplo mais recente em uma longa linha de ações malignas tomadas pela Rússia para tornar armas suas exportações de energia para a União Europeia, a fim de obter concessões políticas".
"Este corte serve a dois propósitos do Kremlin. Putin está desesperado para sustentar o valor do rublo russo, já que a moeda entrou em colapso desde a imposição de sanções. Além disso, o corte do gás para Polônia e Bulgária também visava tentar influenciar a vontade política de outros países-membros da UE com alta dependência dos recursos energéticos russos — como a Alemanha e a Áustria — de romperem com o bloco e pagarem em rublos, enquanto buscava fazer com que as democracias europeias tomassem menos medidas para apoiar militarmente e financeiramente a Ucrânia", disse ao Correio.
ONU
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, chegou a Kiev depois visitar Moscou, onde conversou com Putin sobre a possibilidade de retirada de civis de Mariupol (sudeste), cidade portuária assediada há dois meses pelas tropas russas e onde 20 mil moradores teriam morrido. Ontem, a Rússia bombardeou hangares em Zaporizhzhia, na mesma região, destruindo "grande quantidade" de armas fornecidas pelo Ocidente.
Eu acho...
"A Rússia já está utilizando o gás como uma arma — a suspensão do fornecimento indica isso. Há muito tempo a Polônia esperava o uso da energia como arma e tem dado passos sérios, nos últimos anos, para diminuir a dependência do gás russo. Por exemplo, o terminal de gás natural liquefeito está operacional na Polônia, que logo terminará de construir um gasoduto alternativo vindo da Noruega. As instalações de armazenamento de gás da Polônia estão mais de 70% cheias, outro sinal da prontidão do governo para resistir à pressão do Kremlin. A Bulgária também desenvolveu suprimentos alternativos de gás, principalmente através da Grécia."
Daniel Fried, ex-embaixador dos EUA na Polônia e especialista do think tank Atlantic Council (em Washington)
"Essa decisão pode ser vista, antes de tudo, como uma retaliação da Rússia contra a União Europeia ao fato de países do bloco começarem a se distanciar da importação do gás natural russo e ao apoio à Ucrânia. Ainda que a justificativa atual dada pelo grupo Gazprom e pelo governo russo para a suspensão sejam a recusa da Polônia e da Bulgária para começar a pagar pela entrega de gás natural em rublos, os motivos têm mais a ver com as questões geopolíticas e geoeconômicas que citei."
Margarita M. Balmaceda, professora de diplomacia e relações internacionais da Universidade Seton Hall (em Nova Jersey)
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