Depois de vários apelos do presidente Volodymyr Zelensky, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos confirmou, no fim da tarde de ontem, que a Força Aérea da Ucrânia recebeu caças, sem, no entanto, revelar a origem, a quantidade e o tipo das aeronaves. "Sem entrar em detalhes sobre o que outros países enviaram, eu diria que (os ucranianos) receberam aeronaves adicionais e peças de reposição para aumentar sua frota. Hoje, eles têm mais caças à sua disposição do que há duas semanas", declarou o porta-voz do Pentágono, John Kirby. Segundo Kirby, os EUA facilitaram o envio de peças de reposição.
O governo de Joe Biden tenta se distancar da imagem de um país beligerante. Kiev pedia aos aliados ocidentais os caças Mig-29 que seus militares sabem pilotar e que um punhado de países do Leste Europeu possuem. O anúncio de Kirby coincide com a intensificação da campanha aérea russa em Donbass, região do leste da Ucrânia parcialmente controlada por separatistas pró-Moscou.
Durante a madrugada de ontem, as tropas russam realizaram mais de 1.200 bombardeios no Donbass. Kremmina, cidade de 18 mil habitantes situada 560km a sudeste de Kiev, foi a primeira capturada pelas forças de Vladimir Putin. O jornal britânico The Guardian informou, ao citar uma autoridade europeia, que 20 mil mercenários da Síria, da Líbia e de outros países foram enviados ao leste ucraniano como uma espécie de reforço de infantaria, sem carros blindados nem equipamentos pesados. O Ministério da Defesa da Rússia deu novo ultimato às tropas ucranianas entrincheiras na siderúrgica Azovstal, o último foco de resistência na estratégica cidade portuária de Mariupol (sudeste). O novo prazo vence hoje, às 8h (hora de Brasília).
O britânico Frank Ledwidge, estrategista militar da Universidade de Portsmouth (Reino Unido), não descarta a possibilidade de os norte-americanos terem enviado kits de aeronaves para os ucranianos. "Podem ser peças de reposição para colocar em operação alguns caças inativos da Ucrânia e para reparar aeronaves danificadas. É um desdobramento muito importante, pois isso equivale a dar a Kiev os caças", explicou ao Correio, por e-mail.
Entre segunda e terça-feira, cinco voos procedentes dos Estados Unidos chegaram às fronteiras da Ucrânia com carregamentos de armas para serem entregues a entregues ao Exército de Zelensky. Há exatamente uma semana, Biden tinha anunciado uma ajuda militar de US$ 800 milhões (cerca de R$ 3,7 bilhões) para a Ucrânia.
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), Olexiy Haran lembra que os ucranianos têm solicitado o repasse de aviões de guerra desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro. "É uma decisão muito importante, que ocorre quando os russos começaram uma ofensiva em larga escala em Donbass. Analistas militares creem que os combates no leste se assemelharão às batalhas da Segunda Guerra Mundial, com tanques, caças e artilharia de longo alcance."
Para Haran, a Rússia fracassou durante a primeira fase da guerra, ao tentar capturar grandes cidades ucranianas, incluindo a capital, Kiev. "Agora, os russos se concentram no Donbass e em alguns pontos do sul do país. O que fazem é tentar minar a infraestrutura crítica e a indústria bélica da Ucrânia, a fim de reduzir a capacidade de resistência dos ucranianos", disse. Ele vê uma tentativa de intimidação também contra o Ocidente, uma estratégia para interromper o envio de suprimentos.
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Destruição
O professor de vôlei Igor Pinchuk, 29 anos, retornou a Irpin duas semanas atrás, depois de ficar fora de sua cidade natal por quase um mês. Encontrou 73% das construções destruídas. "Irpin fica a apenas 10km de Kiv. A cidade está arruinada, há casas carbonizadas e corpos de civis enterrados no meio da rua. Pessoas foram sepultadas em parques", contou ao Correio. Ele afirmou que muitos países têm enviado diferentes armamentos para a Ucrânia e não demonstrou entusiasmo com o reforço dos caças. "É uma pena que os Estados que compõem a Otan tenham demorado tanto para tomar decisões assim. Nós pagamos um preço alto demais. Agora, precisamos fechar o espaço aéreo e repelir os ataques do inimigo sobre o Donbass", disse.
Pinchuk enviou vídeos e fotos à reportagem, em que era possível ver prédios rasgados ao meio, carcaças de carros e de tanques, e pedaços de corpos. "Não há mais bombardeios em Irpin, graças às nossas forças armadas, que expulsaram os russos. Agora, estamos reconstruindo a infraestrutura e consertando as pontes. O suprimento de água e de eletricidade foi restabelecido em alguns locais."
"Não desejo isso para ninguém", diz Anna Volodymyrivna Lytovchenko
"Eu vivia em Mykhailivka, vilarejo perto de Zaporizhzhya (sul). Estivemos sob ocupação russa. Quando houve batalhas no meu vilarejo, meus pais e eu nos abrigamos em esconderijos para salvarmos nossas vidas. Os bombardeios e as explosões eram aterrorizantes. Temi pelos nossos militares. Não queria nenhum deles morto, pois protegiam a minha família. É difícil ver como as pessoas se sentem sob bombardeio. É uma situação que não desejo a ninguém. Quando meu vilarejo foi ocupado, ficamos sem proteção. A única coisa que poderia me assustar seriam os ecos ao longe das rajadas de artilharia. Quando cessavam por um momento, tinha o desejo de voltar a ouvi-las. Quanto mais próximas as explosões, mais perto o fim da ocupação.
A vida sob ocupação russa é diferente, a depender da cidade. Em alguns locais, tudo é calmo. Em outros, os russos matam e estupram. Moradores de meu vilarejo eram capturados e levados para locais desconhecidos. Alguns sofreram espancamentos e tortura. Outros foram executados. O prefeito foi sequestrado. Ativistas que levavam ajuda humanitária também sumiram."
Anna Volodymyrivna Lytovchenko - Estudante, 18 anos, vivia em Mykhailivka (sul) e está refugiada em Khmelnytskyi (centro-leste), a 652km. Depoimento ao Correio.
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