Guerra no leste europeu

Otan acusa a Rússia de reagrupar tropas e aumentar ofensiva contra Ucrânia

Aliança militar ocidental afirma que Moscou reposiciona forças para redobrar ofensiva no leste da Ucrânia. Biden não descarta que Putin tenha colocado assessores em prisão domiciliar. Cruz Vermelha deve liderar retirada de civis de Mariupol em 45 ônibus

Rodrigo Craveiro
postado em 01/04/2022 06:00
 (crédito: Sergei Supinsky/AFP)
(crédito: Sergei Supinsky/AFP)

Por volta das 3h de quinta-feira (31/3, hora local), Glib Mazepa, 35 anos, morador de Kharkiv (leste), foi acordado pela esposa. "Ela viu cerca de 10 foguetes cruzarem o céu. O clarão era parecido com o de um flash. Os projéteis caíram a uns 3,5km de nossa casa", contou ao Correio. Ao meio-dia, ele e a família voltaram a levar um susto. "Escutamos uma forte explosão, a uns 500m daqui. As últimas 48 horas foram de intensos bombardeios", desabafou. Quando falava com a reportagem, às 21h34 de quinta (16h34 em Brasília), Glib gravou o som de estrondos de uma barragem de foguetes Grad. Os relatos dele pareciam confirmar a denúncia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de que as forças russas se posicionaram para bombardear o leste da Ucrânia.

"Segundo nossos dados de Inteligência, as unidades russas não estão se retirando, mas se reposicionando. A Rússia está tentando reagrupar (suas forças), reabastecer e reforçar sua ofensiva na região de Donbass", no leste da Ucrânia, declarou Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan. "Haverá mais ataque, com mais sofrimento." 

Por sua vez, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também demonstrou ceticismo em relação à informação do Kremlin sobre redução de tropas em algumas cidades. "Até agora, não há evidências claras de que ele esteja retirando todas essas forças de Kiev. Também há pistas de que ele está reforçando suas tropas no Donbass", explicou, ao admitir que está "um pouco cético". 

De acordo com Biden, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, "parece estar isolado". "Há indícios de que demitiu ou colocou em prisão domiciliar alguns de seus assessores", comentou. Na quarta-feira, os serviços de inteligência do Reino Unido e dos EUA corroboraram informações de que Putin teria sido enganado por integrantes do Estado-Maior Conjunto da Rússia sobre a real situação no campo de batalha.

Sob pressão das sanções financeiras internacionais, Putin acenou, ontem, que pretende usar o gás como arma de retaliação. O Kremlin não descarta cortar o fornecimento do combustível para a União Europeia (UE), caso não receba pagamentos em rublo, a moeda da Rússia. O chanceler alemão, Olaf Scholz, rejeitou a ameaça russa sobre o gás e avisou que os membros da UE seguirão pagando em euros e dólares, em consonância com as cláusulas dos contratos. No campo diplomático, os diálogos entre negociadores de Kiev e de Moscou devem prosseguir hoje, no formato virtual. O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Cavusoglu, anunciou articulações para a viabilização de um encontro entre Serguei Lavrov e Dmitro Kuleba, respectivamente chefes das diplomacias russa e ucraniana. A segunda reunião de alto nível deve ocorrer "em uma ou duas semanas". 

Resgate

A expectativa para hoje envolve a retirada de centenas de civis da cidade de Mariupol (sudeste), onde a situação é considerada catastrófica por organizações humanitárias. O governo da Ucrânia enviou 45 ônibus para a localidade, a fim de realizar o resgate sob o comando do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, aproveitando a abertura de corredores humanitários e um cessar-fogo local anunciado pela Rússia. Cerca de 160 mil civis permanecem bloqueados em Mariupol, sob intensos bombardeios. Jason Straziuso, porta-voz da Cruz Vermelha, afirmou à reportagem que as equipes da entidade estão posicionadas com suprimentos médicos e outros itens, e de prontidão para facilitar a passagem segura do comboio de refugiados. "Estaremos prontos para liderar a operação, desde que todas as partes concordem com os termos exatos, incluindo a rota, o horário de início e a duração", comentou Straziuso. 

Diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev), Artem Oliinyk disse ao Correio que a Rússia fracassou em seu plano de capturar a Ucrânia e destruir as forças armadas. "Com o retorno de algumas tropas de áreas estratégicas, como Kiev e  Chernihiv, os russos usarão recursos adicionais para consolidar a ocupação no sul do país, além de tentarem tomar o controle das regiões de Donetsk e Luhansk (leste). Vale lembrar que Mariupol pertence a Donetsk, e Moscou não recuará da tentativa de tomá-la", explicou. Ele acredita que as próximas semanas serão acompanhadas de hostilidades ativas no Sul e no Leste da Ucrânia, em paralelo ao processo de negociação na Turquia.  

Segundo Oliinyk, a Ucrânia tem força para se defender, enquanto a Rússia deverá manter o seu potencial ofensivo. "Podemos esperar progresso nas negociações somente depois do colapso das capacidades militares russas. O principal teatro de operações será as regiões de Donbass e de Kharkiv. Os futuros contornos do sistema de relações no pós-guerra em toda a Europa dependerão desta campanha russa no leste. O Ocidente deve ajudar a Ucrânia a repelir o último ataque inimigo e a preservar sua soberania. Se a Ucrânia for derrotada, há risco de uma grande guerra na Europa, e os países-membros da Otan sofrerão com as consequências", advertiu o estudioso. 

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Duas perguntas para

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Jason Straziuso, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

O senhor vê indícios de crimes de guerra cometidos pela Rússia na Ucrânia?

Quando vemos tamanho nível de destruição, quando testemunhamos o grau de sofrimento, há questões muito sérias sobre o modo como as hostilidades são conduzidas. Mas não fazemos acusações em público. Falamos diretamente com os atores do conflito sobre pressionarem em temas humanitários, incluindo passagens seguras de civis, corredores humanitários e respeito pelo direito humanitário internacional. Embora essas conversas ocorram em privado, elas não devem ser confundidas com cumplicidade. Essa abordagem nos permite ter discussões francas. Também nos possibilita continuar com esse papel vital de intermediário humanitário neutro e manter relações com todos os lados em um conflito, de forma que possamos continuar a insistir sobre a adesão às leis da guerra.

O ataque ao armazém da Cruz Vermelha se encaixa em uma violação às leis da guerra?

O armazém em Mariupol era usado para guardar suprimentos de assistência, antes de ser compartilhado com as comunidades que necessitam de ajuda. Sob o direito humanitário internacional, objetos usados para operações de ajuda humanitária devem ser respeitados e protegidos o tempo todo. Estamos preocupados que mesmo um edifício com uma cruz vermelha no telhado tenha sido seriamente danificado.

Popularidade em alta

Cerca de 83% dos russos aprovam a ação de Vladimir Putin, que ganhou 12 pontos de  popularidade em comparação com fevereiro, segundo pesquisa publicada pelo instituto independente russo Levada, a sua primeira desde o início da ofensiva na Ucrânia, em 24 de fevereiro. Apenas 15% dos russos dizem que não aprovam a ação do presidente (-12% em um mês) e 2% não têm opinião. Pesquisas anteriores haviam sido divulgadas nas últimas semanas e mostravam o índice de aprovação de Putin de 80% ou mais, mas foram conduzidas por instituições pró-governo. Vladimir Putin justificou a ofensiva militar russa contra a Ucrânia acusando-a de ter organizado um genocídio da população de língua russa e de servir de trampolim para a Otan, uma ameaça existencial à Rússia.

"Eu vi o Armagedom", diz Alona Zagreba 

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

"Tenho 15 anos e morava em Mariupol. Deixamos a cidade em 16 de março. Havia fortes combates. Em primeiro lugar, os inimigos interromperam o fornecimento de eletricidade, de aquecimento e de gás, assim como as comunicações por celular. Eu vi os militares russos e como eles disparavam. A calma, o riso e a fé em Deus me ajudaram a sobreviver. 

Eu vi o Armagedom. Vi como tudo ao meu redor explodia, como os mísseis voavam. As pessoas cozinhavam sobre fogueiras, então um caça aparecia. Todos corriam para abrigos, e os soldados russos saqueavam mercearias e outras lojas. Levavam sacolas e até televisões. Presenciei como queimavam as casas e como os mísseis e bombas atingiam prédios vizinhos. Eu e minha família ficamos em nosso apartamento, abrigados no corredor. Tínhamos comida, mas ela acabou e nossos amigos nos alimentaram. Buscávamos água no hospital. 

Durante a nossa fuga, soldados russos dispararam contra a nossa coluna de carros, mas não fomos atingidos. Esta é uma guerra sangrenta e terrível, que deve terminar imediatamente. Eu quero que a Ucrânia se reconstrua e comece a florescer novamente. Depois que saí da cidade, soube que amigos meus morreram. Hoje, eu e minha família estamos em Luxemburgo."

Estudante de 15 anos. Nascida em Donetsk, morava em Mariupol. Hoje, está refugiada em Luxemburgo

HIPERFOTO - Zelensky pode discursar ao Congresso Nacional

 (crédito: Virgine Lefour/Belga/AFP)
crédito: Virgine Lefour/Belga/AFP

O deputado federal José Nelto (Podemos-GO) apresentou requerimento ao Itamaraty para que o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, adote as providências necessárias para viabilizar um pronunciamento virtual do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no Congresso Nacional. “É importante que o Congresso Brasileiro possa convidar o presidente Zelesnky para que faça discurso virtual à nação Brasileira, que por sua vez tomará real conhecimento acerca da situação vivenciada naquele país, em especial, para que exija do governo brasileiro sanções mais firmes em desfavor de todo e qualquer governo que atente contra a democracia”, afirmou o parlamentar. Nas últimas semanas, Zelensky falou aos parlamentos de vários países, entre eles: Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Canadá, Bélgica, Austrália e Holanda. 

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