Rússia e Ucrânia concordaram em promover, amanhã e quarta-feira, mais uma rodada de negociação com delegações de alto nível dos dois países. A reunião presencial, marcada para Istambul, na Turquia, foi anunciada pelo presidente turco, Recep Erdogan, após conversar por telefone, ontem, com o presidente russo, Vladimir Putin.
O gabinete do governo turco informou que "o presidente Erdogan enfatizou a necessidade de alcançar a trégua e a paz entre Rússia e Ucrânia o mais rápido possível e de melhorar a situação humanitária na região. Acrescentou que a Turquia continuará a dar sua contribuição para esse processo".
Erdogan informou, inclusive, que quatro dos seis pontos principais da agenda de negociações já estavam acordados entre Rússia e Ucrânia. Mas o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, não confirmou a informação. Disse que "o processo de negociação é muito difícil" e que "não há consenso com a Rússia sobre os quatro pontos mencionados pelo presidente da Turquia". Kuleba, porém, elogiou os "esforços diplomáticos" de Ancara para pôr fim à guerra.
A retomada das negociações presenciais foi parcialmente confirmada pelo governo ucraniano. David Arakhamia, um dos negociadores do país invadido, publicou em sua página no Facebook que o encontro começaria ainda hoje, e não amanhã. "Durante as discussões, hoje (ontem), por videoconferência, ficou decidido promover, na Turquia, uma próxima rodada presencial entre os dias 28 e 30 de março."
Será a segunda reunião desse nível sediada na Turquia. A primeira foi no dia 10 de março, na cidade de Antalia, com a presença dos ministros de Relações Exteriores dos dois países.
Censura
Em entrevista à imprensa russa, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, revelou que a questão da neutralidade da Ucrânia está sendo "estudada a fundo". A não adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é uma das exigências de Putin para negociar uma saída para a guerra. Uma das cláusulas das negociações é a de "garantias de segurança e neutralidade, o status livre de armas nucleares de nosso Estado", disse na entrevista on-line, transmitida pelo canal do Telegram da administração presidencial ucraniana. "Estamos dispostos a aceitá-lo", continuou.
"Mas não quero que seja mais um documento no estilo do Memorando de Budapeste", ressalvou Zelensky, referindo-se aos acordos assinados pela Rússia em 1994 que garantiam a integridade e a segurança de três ex-repúblicas soviéticas, incluindo a Ucrânia, em troca da desistência de armazenar as armas nucleares herdadas da extinta União Soviética (URSS).
O Roskomnadzor — órgão regulador de telecomunicações e da mídia Rússia — alertou os veículos de impresa do país a não publicar a entrevista de Zelensky. "Uma verificação foi lançada em relação aos meios de comunicação de massa, que conduziram essa entrevista, para determinar o grau de responsabilidade e tomar medidas", ameaçou o regulador. Uma lei aprovada neste mês pela Duma (parlamento russo) prevê pena de até 15 anos de prisão para jornalistas que divulgarem informações consideradas falsas pelo governo russo. Os meios de comunicação locais estão proibidos, inclusive, de se referir à invasão da Ucrânia como "guerra".
Outras rodadas de negociação, presenciais e virtuais, já foram realizadas, com pouco sucesso. Mas a expectativa de avanço nas negociações por um cessar-fogo ajudou a aliviar a tensão diplomática após o presidente dos Estados Unidos elevar o tom das acusações a Vladimir Putin. Joe Biden, em viagem à Polônia, disse, no sábado, que Putin não pode permanecer no poder, e chamou o líder russo de "carniceiro" por patrocinar severos ataques à população civil da Ucrânia.
Embora a Casa Branca tenha, imediatamente, tentado suavizar as palavras de Biden, esclarecendo que Washington não busca uma mudança de regime, o Kremlin reagiu duramente. Segundo seu porta-voz, Dmitri Peskov, os ataques pessoais estão "reduzindo a janela de oportunidade" para as relações bilaterais.
As rodadas de esforços diplomáticos e as sanções esmagadoras impostas pelos aliados ocidentais foram insuficientes, até agora, para conseguir fazer Putin parar sua guerra, à qual o papa Francisco se referiu como "cruel e sem sentido". O presidente francês, Emmanuel Macron, se posicionou contra uma "escalada de palavras ou de ações" na Ucrânia, uma abordagem que, para ele, pode dificultar o fim da guerra.