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Os engenheiros antes essenciais à aviação que hoje só voam em aviões raros

Os engenheiros de voo começaram a perder espaço duas décadas depois, quando os computadores de bordo diminuíram a dependência humana do controle dos sistemas.

O Airbus 350 XWB, aeronave de última geração entregue a partir de 2019 na Europa, é o primeiro da aviação comercial equipado com telas sensíveis ao toque na cabine de comando. São dezenas de indicadores digitais coloridos que se movimentam à medida que atualizam dados sobre tráfego aéreo, condições de pressão, inclinação, vento, combustível. Um contraste e tanto com o Boeing 727, avião comercial mais antigo em operação no Brasil.

Lançado em 1963, nos Estados Unidos, o 727 conta com um painel preenchido com reloginhos, medidores, luzes de avisos, botões, manetes e outras traquitanas analógicas.

Diferentemente do modelo europeu, cujos sistemas funcionam de forma automática, no 727 tudo depende do conhecimento e das habilidades dos pilotos. E ainda: de profissionais raros, mas que ainda estão na ativa, como o carioca Fábio Oliveira de Brito.

A cada voo, Brito veste uma camisa branca com duas faixas bordadas no ombro. O emblema o designa engenheiro de voo - flight engineer ou mecânico de voo, no jargão dos aeronautas. O engenheiro de voo é o terceiro membro da cabine de pilotagem (cockpit) do 727.

Sua função é manejar a casa de máquinas aérea, monitorando sistemas e municiando o comandante com dados sobre a situação do avião e do ambiente. A rigor, é como se fosse um assistente de voz. Só que de carne e osso.

"A leitura dos parâmetros de voo é praticamente centralizada em mim, enquanto os que estão na frente mantêm o foco na pilotagem do avião", diz Brito, de 51 anos - 34 deles dedicados à aviação.

A origem do engenheiro de voo

Divulgação
727 que virou cargueiro da Total; modelos dependem de oito engenheiros de voo

O ofício remonta à década de 1930, quando as grandes aeronaves comerciais e de guerra podiam receber até cinco pessoas na cabine. Além dos dois pilotos e do engenheiro, também havia o navegador e o operador de rádio. Esses foram dispensados nos anos 1960, à medida que as aeronaves evoluíram de forma técnica.

Os engenheiros de voo começaram a perder espaço duas décadas depois, quando os computadores de bordo diminuíram a dependência humana do controle dos sistemas.

Atualmente, a função está relegada a antigos aviões e alguns modelos militares. No Brasil, quase não há aeronaves comerciais que a exijam. A exceção são os três cargueiros 727 da Total Linhas Aéreas, com sede em Belo Horizonte, para a qual Brito trabalha. A companhia tem oito engenheiros de voo no quadro de funcionários, com salário em torno de R$ 14 mil por mês.

Antes de cada viagem, o engenheiro de voo analisa os documentos da jornada anterior do avião. Depois, ele checa a parte externa - pneus, fuselagem e outros compartimentos -, à procura de eventuais avarias ou vazamentos.

Se uma intervenção é necessária, os mecânicos em terra são acionados. Do contrário, o engenheiro de voo assume sua posição no cockpit (cabine de comando).

Ele se posiciona em um assento logo atrás do comandante e do copiloto, virado 90 graus à direita, de frente para um painel. Então confere se o plano de viagem está de acordo com o peso e o balanceamento do avião. Por fim, verifica cada sistema - elétrico, hidráulico, combustível, pressurização, etapa realizada com movimentos curtos, rápidos e decididos.

Caso tudo esteja ok, a decolagem é autorizada. O profissional continuará vigilante até o avião aterrissar e descarregar a carga.

Arquivo pessoal
Atrás do copiloto, o complexo painel operado pelo engenheiro de voo Fabio Brito

Trabalhando em um clássico

Depois de terminar o ensino médio, Fábio Oliveira de Brito fez um curso técnico para mecânico de avião. Formou-se aos 17 anos e trabalhou para empresas como Varig e TAM (atual Latam). Em 1997, foi contratado pela Total. Integrou a equipe de mecânicos em solo por quase dez anos.

Em 2007, a empresa expandiu a frota e adquiriu três Boeing 727 dos anos 1970 e 1980. Originalmente destinadas à viagem de passageiros, as aeronaves foram convertidas em cargueiros.

Quando as aeronaves aterrissaram na Total, foi necessária a criação de uma equipe de engenheiros de voo. Brito estava entre os convocados. Durante um ano, fez cursos e habilitações. Ampliou o conhecimento técnico não só sobre o 727, como também sobre meteorologia e tráfego aéreo.

Morando no Rio de Janeiro, Brito acabou designado para a base de Guarulhos (SP), principal centro de distribuição aérea dos Correios - um importante cliente da Total Linhas Aéreas. A escala de Brito costuma incluir quatro voos por semana.

O engenheiro diz que voar a bordo do 727 é um privilégio. "O 727 é um avião histórico, admirado como o Cadillac. O pessoal da aviação fica encantado quando vê", afirma.

Além da configuração incomum para três tripulantes na cabine, o 727 possui barulhentos motores Pratt & Whitney JT8D. São três, instalados na icónica traseira, sob uma cauda alta em forma de T.

O trijato tem 46,7 metros de comprimento e pode transportar até 25 toneladas por cerca de 3 mil quilômetros. Trata-se de uma performance melhor se comparada ao 737 cargueiro - embora o antecessor gaste mais combustível.

Antigamente, o 727 era um avião bastante comum. No Brasil, voou por empresas como Varig, Vasp e Transbrasil. Hoje, no entanto, é objeto raro. Procurada pela BBC News Brasil, a Boeing não soube especificar quantas das 1.832 unidades fabricadas entre as décadas de 1960 e 1980 ainda permanecem em serviço.

Especialistas do setor estimam que haja pelo menos 30 em operação, a maioria cargueiros em empresas como a uruguaia Air Class Líneas Aéreas, a colombiana Aerosucre e a Safe Air, do Quênia.

"Continuar voando mesmo quase 60 anos depois de seu lançamento mostra que o 727 foi uma ideia muito bem desenvolvida e projetada, um acerto da fabricante", opina Cláudio Scherer, um ex-piloto da aeronave que hoje atua como instrutor no simulador de voo do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS.

Arquivo pessoal
Cláudio Scherer diante do 727 que costumava pilotar: "Continuar voando mesmo quase 60 anos depois de seu lançamento mostra que o 727 foi uma ideia muito bem desenvolvida e projetada", diz

Futuro incerto

É difícil saber quando o último 727 deixará os aeroportos brasileiros para voar no imaginário dos saudosistas. Até porque, no ano passado, uma nova empresa brasileira anunciou o investimento em um cargueiro do modelo. Além da operação de cargas, a Asas Linhas Aéreas - com sede em São José dos Campos (SP) - pretende buscar um segundo 727 para realizar fretamentos de passageiros (voos charter). As aeronaves não estavam em operação até a publicação desta reportagem.

Já a Total diz que não há prazo para aposentar os três 727. "A aeronave atende aos nossos requisitos de rotas e tem boa despachabilidade", informou a empresa por e-mail. A boa forma se deve à manutenção constante e ao tempo médio de voo dos cargueiros - apenas três a quatro horas diárias, sempre à noite.

Apesar de esticar a vida útil do trimotor, a Total está de olho em outros cargueiros. Adicionou recentemente à malha um Boeing 737, modelo que dispensa o mecânico de voo. A cabine, mais moderna, é configurada apenas para piloto e copiloto.

No passado, as companhias aéreas chegaram a criar programas para transformar o cargo de engenheiro de voo em copiloto. Embora isso não esteja nos planos, a Total reconhece que pode adotar ação semelhante.

Mas Brito tem outros projetos. "Decidi não me arriscar na aviação moderna, nem esperar pela retirada do 727", diz. Ele pretende obter a aposentadoria ainda em 2022.


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