Vladimir Putin esperava uma rápida tomada de Kiev, com o menor número possível de baixas militares. A "operação especial" que o Kremlin insiste em não qualificar como guerra já dura 23 dias, e as forças de Moscou não conseguem avanços significativos no campo de batalha. Sob pressão das sanções financeiras impostas pelo Ocidente, o presidente da Rússia decidiu mobilizar soldados estacionados no território da Ossétia, a caminho da Ucrânia. O líder checheno, Ramzan Kadyrov, enviou mais mil mercenários para lutarem ao lado das tropas russas.
De acordo com fontes do Pentágono consultadas pelo jornal The New York Times, 7 mil militares russos morreram — média de 300 por dia. Entre os mortos, há quatro generais: Andrey Sukhovetsky, Andrey Kolesnikov, Oleg Mityaev e Vitalii Gerasimov
"Em pouco mais de 20 dias, a Rússia teve o mesmo número de baixas dos Estados Unidos em duas décadas de guerras no Iraque e no Afeganistão. É um número assustador para o Kremlin", admitiu ao Correio o ucraniano Peter Zalmayev, diretor da Eurasia Democracy Initiative, uma organização não governamental voltada à promoção da democracia e dos direitos humanos no Leste da Europa e no Cáucaso. "Isso explicaria o motivo pelo qual a Rússia não deseja repatriar os seus soldados mortos. Os corpos são abandonados nas estradas e nos campos ou mesmo incinerados." O Kremlin reconhece apenas 500 baixas.
Zalmayev acredita que a estatística divulgada pelo NY Times é subestimada. "As autoridades ucranianas avaliam as baixas russas em 13,5 mil. Moscou não tem conseguido avanços estratégicos no front e se limita a manobras táticas. É uma espécie de protelação", comentou o especialista. De acordo com ele, tal fato justificaria o motivo pelo qual Putin procura "aterrorizar os civis". "Ele busca aumentar os custos humanos e o sofrimento dos ucranianos, a fim de forçar os governos de Kiev e ocidentais a implorarem por negociações viáveis."
O especialista adverte que o cenário é desfavorável para os invasores. "Os ucranianos conhecem o território, têm acesso a suprimentos e gozam de 100% de apoio da população, além de manterem o moral em alta." A perspectiva não parece promissora para o Kremlin. Zalmayev disse que Putin tem convocado soldados jovens, sem experiência de combate. Ante a falta de opções para reverter o cenário bélico, o Kremlin apela por ajuda econômica da China.
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), concorda com Zalmayev e admite que as dificuldades no campo de batalha têm levado a Rússia a tentar intimidar o presidente Volodymyr Zelensky, por meio da matança de civis. Ele aponta três erros cometidos por Putin antes da invasão à Ucrânia. "O Kremlin subestimou o povo e o Exército de meu país; tratou as nossas forças armadas como corruptas e ineficientes; e minimizou a possibilidade de sanções financeiras do Ocidente. Esses enganos levarão ao colapso geopolítico da Rússia", disse ao Correio.
Os ataques indiscriminados a civis mereceram forte condenação dos Estados Unidos e da União Europeia (UE). Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou Putin de "criminoso de guerra". Ontem, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, reforçou as acusações do titular da Casa Branca. "Apontar intencionalmente contra civis é um crime de guerra. Depois de toda a destruição das últimas semanas, é difícil para mim concluir que os russos estão fazendo o contrário", declarou.
A UE condenou as "graves violações do direito humanitário" e os "crimes de guerra" cometidos pela Rússia na Ucrânia, e afirmou que os dirigentes russos terão que prestar contas por esses atos.
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Negociações
Na terça-feira, a notícia sobre um rascunho de plano de paz de 15 pontos sinalizou esperança rumo a um cessar-fogo. Entre os itens do texto, estariam a neutralidade do território da Ucrânia, a desistência de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a redução do Exército. O status de neutralidade seguiria os modelos adotados pela Áustria e pela Suécia. Viena incorporou a condição por imposição dos soviéticos, em 1955.
Para Artem Oliinyk, da Academia de Ciência Política da Ucrânia (em Kiev), a repetição do plano austríaco não se adequaria ao território ucraniano. "O problema é que houve restrições sobre armamentos de alguns países; a Áustria foi incapaz de usar armas alemãs. Os austríacos também não receberam fundos para a reconstrução da nação", disse à reportagem. Ontem, prosseguiam as negociações em caráter virtual, sem grandes avanços.