45
países
africanos e os
menos desenvolvidos importam pelo menos um terço que consomem de Ucrânia ou Rússia
Ao falar sobre as repercussões da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou, ontem, para a possibilidade de um "furacão de fome" passar por inúmeros países. A suspensão da produção agrícola nos dois países, em decorrência do conflito, atingirá "duramente os mais pobres e semeará instabilidade política e mal-estar em todo o mundo", advertiu Guterres, em Nova York.
"Essa guerra afeta muito mais do que a Ucrânia", assinalou o chefe da ONU. "Os preços dos cereais já superaram os do começo da Primavera Árabe e os distúrbios por alimentos de 2007-2008", disse, acrescentando que o índice mundial de preços dos alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) "está em seu nível jamais registrado".
Protagonistas do conflito que entra hoje no 20º dia, Rússia e Ucrânia são considerados "o celeiro de cereais" do mundo. "Devemos fazer tudo o possível para evitar um furacão de fome e o colapso do sistema alimentar mundial", destacou.
Segundo Guterres, que voltou a pedir o fim dos ataques, no total, 45 países africanos e os menos desenvolvidos importam pelo menos um terço de seu trigo de Ucrânia ou Rússia. Dezoito deles importam ao menos 50%. "Isso inclui países como Burkina Faso, Egito, República Democrática do Congo, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen", elencou. Esse último, devastado pela guerra, é um dos vulneráveis.
Iêmen
Agências das Nações Unidas estimam que, devido ao conflito no Leste Europeu, o número de vítimas fatais da fome no Iêmen vai se multiplicar por cinco, chegando a 161 mil mortos até o fim do ano. Atualmente, mais de 30 mil pessoas estão em situação de carestia alimentar, segundo comunicado conjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Programa Mundial de Alimentos (PMA).
O alerta foi distribuído dois dias antes de uma conferência de alto nível que pretende reunir ajuda para o Iêmen. "Esses números aterrorizantes confirmam que estamos prestes a ter uma catástrofe no Iêmen e que quase não temos tempo para evitá-la", disse o diretor do PMA, David Beasley. Ele previu que, sem doações, haverá "inanição e fome massivas".
O Iêmen depende quase completamente das importações de alimentos, com quase um terço do fornecimento de trigo procedente da Ucrânia, de acordo com o PMA. "Há uma profunda convicção de que temos de agir agora", frisou o coordenador humanitário da ONU para o Iêmen, David Gressly.
As avaliações divulgadas pela ONU usam a Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar (CIF), que qualifica os níveis de fome de um a cinco. Nesse sistema, o quinto nível está classificado como "catastrófico" e, quando se chega a 20% da população, é considerado como situação de escassez.
Os resultados da classificação mostram que 17,4 milhões dos 29 milhões de habitantes no Iêmen enfrentam altos níveis de insegurança alimentar aguda — a expectativa é a de que aumente para 19 milhões este ano.
O documento também detalha que 2,2 milhões de crianças estão gravemente subnutridas no país africano. Entre elas, mais de meio milhão enfrentam a desnutrição aguda grave, "uma condição que põe suas vidas em perigo".