LGBTFOBIA

Censura a personagens LGBTs e apoio a homofóbicos: Disney vive ‘clima sombrio’

Cartas publicadas por funcionários de uma das empresas de entretenimento mais tradicionais do mundo revelam um cenário de horror a comunidade LGBTQIA+; CEO se posiciona

"Sombrio". É assim que os funcionários da Disney definiram o cenário atual da empresa após a descoberta de que um dos estúdios mais famosos do mundo apoiou financeiramente membros do parlamento da Flórida que foram favoráveis a um projeto de lei que limita a manifestação de crianças e adolescentes LGBTQIA+ em escolas do estado. A notícia foi a gota d’água para centenas de colaboradores que assinaram uma carta, nesta quarta-feira (9/3), em que denunciam atitudes homofóbicas do alto escalão da empresa do Mickey. Entre elas, há a censura de histórias que mostram qualquer afeto homoafetivo entre os personagens de filmes de animação produzidos pela Pixar.

“A Disney tem um histórico de encerrar eventos do Orgulho LGBT criados por fãs nos parques, até removendo casais do mesmo sexo por dançarem juntos na década de 1980. Somente em 2021 começou a criar produtos explicitamente LGBTQIA+, como broches de bandeira do Orgulho”, cita a carta.

“Nós, da Pixar, testemunhamos pessoalmente belas histórias, com personagens da Diversidade, reduzidos a migalhas após a crítica corporativa. Quase todos os momentos de afeto abertamente gay são cortados por ordem da Disney, independente de qualquer protesto feito pelas equipes criativas ou de liderança executiva da Pixar”, acrescenta o texto.

A carta foi tornada pública pelos funcionários pertencentes à comunidade LGBTQIA+ do estúdio de animação. Nela, eles afirmam que estão “desapontados, magoados, com medo e com raiva” e pedem que a empresa adote um posicionamento claro e firme contra os projetos de lei em discussão na Flórida anti LGBTQIA+.

O principal alvo do grupo é o projeto denominado por ativistas como "Don’t Say Gay" (ou "Não diga, gay", em tradução livre), aprovado pelo Congresso do estado da Flórida nesta semana e que entrará em vigor a partir de julho. A legislação proíbe o encorajamento de discussões em sala de aula sobre orientação sexual ou identidade de gênero nas séries primárias ou de maneira que "não seja apropriada" à idade ou ao desenvolvimento dos alunos.

Em outra carta enviada à diretoria da Disney em 28 de fevereiro, os colaboradores explicaram os malefícios que o projeto traria caso fosse aprovado. “O projeto não define o que é ‘adequado à idade’ e tem o poder de decretar outras limitações, dando aos pais a capacidade de processar as escolas se acreditarem que as escolas violaram quaisquer disposições da lei”, descreveram.

“Dessa forma, a legislação visa especificamente os membros mais vulneráveis de nossa comunidade: dados comprovam que os jovens LGBTQIA+ tem três vezes mais chances de tentar suicídio por falta de apoio do que os que não fazem parte da comunidade”, detalha a carta feita pelos funcionários.

Após pressão dos funcionários, CEO da Disney se posiciona, mas não foi o suficiente

Após o recebimento da primeira carta, o CEO da Disney enviou um memorando interno, na segunda-feira (7/3), em que falou, pela primeira vez, sobre o projeto de lei. A empresa já havia sido cobrada internamente — e externamente por fãs — sobre a falta de posicionamento claro quanto às ações que visam coagir o público LGBTQIA+.

No e-mail feito por Bob Chapek, o CEO afirma que a Disney tem um “compromisso inabalável com a comunidade LGBTQIA+”, mas que “declarações corporativas fazem muito pouco para mudar resultados ou mentes” e que o “maior impacto” que a empresa poderia causar “na criação de um mundo mais inclusivo é através do conteúdo inspirador que produzimos”.

A carta não foi bem recebida pelos funcionários, que vazaram o conteúdo para as redes sociais, o que causou a criação da hashtag #boycottDisney ("boicote a Disney", em português) que se tornou um dos assuntos mais comentados do Twitter nos EUA. Os manifestantes viram o memorando como uma forma de apaziguar o movimento LGBTQIA+ sem se posicionar corretamente.

A atitude também foi reprovada pelo sindicato Animation Guild, representante de artistas, roteiristas e técnicos de animação de Hollywood, que chamou a atitude como um “passo em falso que desafia a lógica e a ética da empresa”. O jornal Los Angeles Times alfinetou a empresa em um artigo de opinião intitulado “A Disney estabelece um novo padrão para a covardia corporativa”.

A pressão piorou quanto o projeto foi aprovado na terça-feira (8/3) pelo Legislativo da Flórida. Na quarta-feira (9/3), o CEO Chapek abordou, pela primeira vez, o assunto durante a reunião de acionistas da Disney. O evento foi transmitido virtualmente. Chapek afirmou que a empresa tem “sido forte apoiadora da comunidade por décadas” e que sabia que “Muitos estão chateados por não termos nos manifestado contra o projeto de lei”.

Em seguida, ele afirmou que a empresa se opôs ao projeto “desde o início” e que optou por “não assumir uma posição pública porque sentimos que poderíamos ser mais eficazes trabalhando nos bastidores diretamente com os legisladores de ambos os lados do corredor”.

Agora, com o fracasso da atitude adotada, Chapek afirmou que ligou para o governador do estado, Ron DeSantis, momentos antes da renião “para expressar nossa decepção e preocupação de que, se a legislação se tornar lei, ela pode ser usada para atacar injustamente os gays, crianças e famílias lésbicas, não-binárias e transgêneros”.

De acordo com o CEO, o governador ouviu as preocupações e concordou a se encontrar com ele e também com membros LGBTQIA+ da equipe sênior na Flórida. Ron DeSantis tem estado nos holofotes por adotar um posicionamento conservador e até mesmo negacionista no estado.

Procurado pela Variety, o gabinete do político desdenhou da fala de Chapek e disse que o contato “foi a primeira vez que ouvimos da Disney contra o projeto de lei. A posição do governador não mudou. Nenhuma reunião presencial foi agendada ainda”.

O CEO também anunciou uma doação de U$$ 5 milhões para organizações LGBTQIA+, inclusive a tradicional instituição HRC (Campanha de Direitos Humanos, em português). No entanto, a HRC rejeitou o dinheiro e afirmou que a recusa permaneceria até que eles vejam a Disney “construir seu compromisso público”.

Já os funcionários da Disney repudiaram as ações. “Embora querer doar para a HRC seja um passo na direção correta, a reunião de acionistas deixou claro que isso não é suficiente. A Disney não assumiu uma posição dura em apoio à comunidade LGBTQIA+, mas tentou se manter bem com 'ambos os lados'. Isso não é o que significa ‘apoiar inequivocamente nossos funcionários, suas famílias e suas comunidades’, como dito no memorando de segunda”, escreveram em nova carta publicada após a reunião.

“Se a Disney for verdadeira em seus valores, tomará uma posição pública decisiva contra a legislação discriminatória que ocorre na Flórida e oferecerá apoio tangível às comunidades LGBTQIA+ afetadas pela legislação preconceituosa que varre o país”, acrescentaram.

Em seguida, os funcionários lembraram que os posicionamentos públicos da empresa influenciaram em conflitos do passado e até mesmo no presente. “Oito dias depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, a Disney interrompeu o lançamento de filmes teatrais na Rússia e anunciou: ‘Tomaremos futuras decisões de negócios com base na situação em evolução’.”, citaram.

“Após o cerco à capital em 2021, no Capitólio, a Disney interrompeu todas as doações políticas a membros do Congresso que se opuseram aos resultados das eleições presidenciais. Em 2016, a Disney disse ao estado da Geórgia: ‘Planejaremos levar nossos negócios para outro lugar, caso qualquer legislação que permita práticas discriminatórias seja assinada na lei estadual’ em resposta ao controverso projeto de lei de liberdade religiosa”, lembraram.

“Ao se posicionar, a Disney afetou diretamente o resultado legislativo na Geórgia. Está provado que as declarações corporativas da Disney podem e fazem a diferença”, citaram ao confrontar a fala de Chapek sobre o posicionamento da Disney não ser tão efetivo quanto às movimentações nos bastidores.

Por fim, os funcionários fazem um apelo para que qualquer apoio financeiro seja interrompido aos legisladores que apoiaram o Don’t Say Gay, e também o posicionamento público.

“Muitos grupos odiosos estão tentando nos erradicar por meio de legislação — precisamos que você fique conosco inteiramente, não em palavras vazias. A Disney afirma cuidar do bem-estar das crianças, mas apoiar políticos como esse prejudica diretamente um de seus públicos mais vulneráveis. Há vidas em jogo e o apoio da Disney pode salvar essas vidas. 'Ainda temos mais trabalho a fazer', dizia seu e-mail. Este é o trabalho”, concluíram.

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