A poucas horas do primeiro encontro de alto nível entre autoridades de Kiev e de Moscou, a Ucrânia acusou a Rússia de bombardear o Complexo Médico Territorial para a Saúde de Crianças e de Mulheres, um hospital pediátrico e maternidade situado em Mariupol (sudeste). "Ataque direto das tropas russas a uma maternidade. Pessoas, crianças estão sob os escombros. Atrocidade! Por quanto tempo o mundo será cúmplice, ao ignorar o terror? Fechem os céus agora! Parem com os assassinatos! Vocês têm o poder, mas parecem perder a humanidade", escreveu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que chamou o incidente de "crime de guerra" e de "prova de genocídio". A comunidade internacional condenou, de forma unânime, o bombardeio atribuído a Moscou. Até o fechamento desta edição, Pavlo Kirilenko, líder da região sul de Donetsk, confirmou 17 adultos feridos, incluindo funcionários do hospital de Mariupol.
A porta-voz do Ministério russo das Relações Exteriores, Maria Zakharova, não negou o ataque, mas admitiu que "batalhões nacionalistas" ucranianos tinham montado no local posições de tiro e retirado pacientes e funcionários. Zakharova também anunciou progressos em mais um diálogo entre negociadores das duas partes e sinalizou com uma moderação do Kremlin. "Os objetivos da Rússia não incluem a ocupação da Ucrânia, a destruição de seu Estado ou a derrubada do governo atual", assegurou. As declarações da representante da chancelaria de Moscou foram recebidas com ceticismo. Hoje, os ministros das Relações Exteriores Serguei Lavrov (Rússia) e Dmytro Kuleba (Ucrânia) se reunirão em Antália, um balneário do Mar Mediterrâneo, no sul da Turquia. O homólogo turco Mevlut Cavusoglu será o mediador do diálogo. O presidente russo, Vladimir Putin, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, conversaram por telefone sobre "opções para esforços políticos e diplomáticos".
Apesar de Zakharova afirmar que a "operação especial" não tem como alvo os moradores, a prefeitura de Mariupol anunciou que, desde o início do cerco à localidade, em 1º de março, 1.207 civis morreram somente na cidade. "Nove dias de genocídio da população civil", denunciou a nota. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha classificou a situação em Mariupol como "apocalíptica". O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, chamou o ataque de "imoral". Por sua vez, a ONU pediu "o fim imediato dos ataques a instalações de saúde, hospitais, profissionais de saúde e ambulâncias". O Vaticano, por meio do secretário de Estado e cardeal Pietro Parolin, disse que o bombardeio a um hospital é "inaceitável". "Não há razões, não há motivações para fazer isso."
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Fuga
Vira Protskykh, ex-gerente de comunicação em projetos sociais e atualmente desempregada, abandonou Mariupol e fugiu para Rivne, próximo à fronteira com Belarus. Deixou pais e amigos na cidade portuária. "Conversei com minha mãe, pela última vez, em 2 de março. Ela contou que minha escola e vários jardins foram bombardeados. Meu pai trabalha como motorista de ambulância e viu feridos e mortos. No início da guerra, uma granada caiu a 100m dele", relatou ao Correio. Uma amiga dela disse que precisou dormir, com a mãe, no corredor de casa, ante os bombardeios incessantes. "Elas viram cadáveres abandonados nas ruas. As pessoas têm cozinhado alimentos em churrasqueiras diante de suas casas, pois não têm mais gás, água e eletricidade."
Em 24 de fevereiro, Yuliya Sarbash, 39 anos, também escapou de Mariupol com a família e se instalou em Berehove (oeste), na fronteira com a Hungria. "Os russos bombardearam, hoje (ontem), o hospital e uma área residencial da minha cidade natal. As pessoas de lá me contaram que houve vários ataques aéreos nesta quarta-feira. Vi várias fotos de gestantes feridas sendo carregadas para fora do prédio destruído", afirmou, por telefone, a proprietária de uma agência de relacionamentos. "Mariupol está bloqueada, isolada. As pessoas estão sem eletricidade, sem aquecimento e sem água. As lojas não têm mais produtos alimentícios. Os bombardeios se tornaram muito intensos nesta semana", acrescentou.
Ceticismo
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), desqualificou a suposta moderação na retórica do Kremlin. "Se Putin não deseja ocupar a Ucrânia e depor Zelensky, não teria motivos para atacar o país. É uma questão muito simples.Não devemos acreditar em uma palavra sequer dos russos. Antes da invasão, o próprio Putin disse que não atacaria o meu país. Os russos falaram em uma operação especial na região de Donbass. Eles estão bombardeando toda a Ucrânia", afirmou ao Correio, por telefone. "Eles disseram que não matariam civis, estão praticando assassinatos. Eles disseram que não haveria reservistas entre os invasores. Na quarta-feira (9/3), uma declaração do comando do Exército russo afirmou que alguns reservistas entraram na Ucrânia e foram capturados." Haran aposta que os russos preparam uma incursão em Kiev. "Precisamos ficar fortes e juntos, e os Estados Unidos e a Europa devem impor mais sanções a Moscou", pediu.
Também no campo diplomático, um dia depois de os Estados Unidos cortarem a importação do petróleo russo, o Reino Unido instou o G-7 — grupo dos sete países mais industrializados do mundo — a "pôr fim ao uso de petróleo e gás russos". "Putin deve fracassar", declarou a ministra britânica das Relações Exteriores, Liz Truss, durante visita aos Estados Unidos. "Em nossa resposta" à invasão russa da Ucrânia, "devemos redobrar nossas sanções." Ela não descartou a "desconexão" dos bancos russos do Swift, sistema internacional que permite a padronização de informações financeiras e transferências de recursos entre bancos ao redor do mundo.