Sob um frio de 3 graus Celsius negativos, 21 músicos da Orquestra Sinfônica Clássica de Kiev se reuniram, às 13h de ontem (8h em Brasília), na icônica Praça Maidan, no centro da capital da Ucrânia. Durante 20 minutos, executaram seis peças, sob a regência do maestro Herman Makarenko. Os solistas ainda estavam na praça quando sirenes antiaéreas voltaram a soar em Kiev. A arte parecia tentar encorajar o povo ucraniano ante os horrores da guerra. Enquanto isso, as forças russas chegavam aos arredores da cidade de quase 3 milhões de habitantes. De acordo com a agência de notícias France-Presse (AFP), a coluna de blindados russos, até poucos dias atrás estagnada a centenas de quilômetros de Kiev, estava a apenas 15km dali, perto do subúrbio de Brovary. Especialistas temem que a tomada da capital provoque um banho de sangue. A população aguarda os invasores com armas em mãos e coquetéis Molotov.
"Estamos bem preparados para o ataque. Todos os dias tenho visitado o campo de batalha e visto a coragem e a força do nosso Exército. Tenho certeza de que os russos não serão capazes de tomar a cidade, pois nossos combatentes mantêm suas posições e lutam como leões", relatou ao Correio a jornalista Liubomyra Remazhevska, 32 anos, moradora de Kiev. "Os moradores têm preparado abrigos, enquanto policiais montam barricadas. Os cidadãos também tomam parte na resistência — preparam coquetéis Molotov, capturam sabotadores e ajudam uns aos outros. A invasão russa seria sangrenta e letal apenas para os invasores", avisou. Durante a entrevista, ela disse que as sirenes tornaram a soar. "Isso significa que estão tentando bombardear Kiev. Precisamos que o espaço aéreo seja fechado. Apenas essa medida pode conter os ataques aéreos", clamou.
O avanço das tropas russas preocupa a comunidade internacional por ocorrer na véspera de uma reunião entre os chanceleres Serguei Lavrov (Rússia) e Dmytro Kuleba (Ucrânia). Militares ucranianos afirmaram à AFP que os combates se concentram em Rusaniv, 30km a leste de Brovary. Segundo Liubomyra, a situação humanitária em Kiev ainda é considerada boa. No entanto, ela contou que moradores de áreas suburbanas invadidas pelos russos enfrentam dificuldades.
Gerente de programa do site Slidstvo.Info, Oleksandr Voloshyn, 27 anos, garantiu que a ameaça de invasão russa remonta a 2014, depois da revolução. "Tenho vivido com ela o tempo todo. A 'inevitável invasão' de Kiev começou. Não irei a lugar nenhum. Esta é minha terra-mãe. Enquanto converso com você, aviões de guerra sobrevoam minha casa. Acredito que sejam caças ucranianos, que tentam defender Kiev. Assim como nós, eles fazem o possível para contra-atacar", disse à reportagem o também morador de Kiev.
"Eu não tenho medo. Se tiver que lutar, eu o farei. Sei como atirar e lançar coquetéis Molotov", desabafou, por meio do WhatsApp, Mila Khiazka-Khanova, 38 anos, também jornalista em Kiev. Ela concorda que a guerra com a Rússia começou oito anos atrás. "Pelas duas últimas semanas, os invasores têm estado perto de Kiev. Mas eu também decidi permanecer na cidade, onde minha família está. Aqui posso ser útil. Confio nas forças militares da Ucrânia e na defesa territorial. Se invadirem Kiev, estaremos prontos para encontrá-los e combatê-los."
Apesar de depositar esperança nas negociações, Mila lembrou que os russos têm violado os acordos de paz de forma sistemática. "O único caminho para a paz, na minha opinião, passa pela imposição de uma zona de exclusão aérea. Os russos, então, perderão a oportunidade de bombardear nossos hospitais e nossas casas", afirmou.