HISTÓRIA NO OCEANO

Navio de explorador pioneiro da Antártida é encontrado após 107 anos

Vídeos do naufrágio mostram que o Endurance está em condições notáveis

Cientistas encontraram e filmaram o navio Endurance, do explorador da Antártida Ernest Shackleton, 107 anos após a embarcação ter naufragado.

A descoberta foi feita no último fim de semana, nas profundezas do Mar de Weddell, no oceano Antártico.

O navio foi esmagado por blocos de gelo e afundou em 1915, levando Shackleton e seus homens a uma fuga surpreendente a pé e em pequenos botes.

Vídeos do naufrágio mostram que o Endurance está em condições notáveis.

Mesmo estando a 3 km embaixo d'água há mais de um século, se parece exatamente como no dia de novembro em que afundou.

Suas madeiras, embora rompidas, ainda estão bem unidas, e o nome — Endurance — está claramente visível na popa da embarcação.

"Sem nenhum exagero, este é o melhor naufrágio de madeira que eu já vi — de longe", afirmou o arqueólogo marinho Mensun Bound, que participou da expedição de descoberta e realizou uma das ambições dos seus quase 50 anos de carreira.

"Está na vertical, bem imponente e em excelente estado de preservação", disse ele à BBC News.

O projeto para encontrar o navio perdido foi organizado pelo Falklands Maritime Heritage Trust (FMHT), usando um quebra-gelo sul-africano, o Agulhas II, equipado com submersíveis operados remotamente.

O líder da missão, o veterano geógrafo polar John Shears, descreveu o momento em que as câmeras pousaram no nome do navio como "de cair o queixo".

"A descoberta do naufrágio é uma conquista incrível", acrescentou.

"Concluímos com sucesso a busca de naufrágio mais difícil do mundo, lutando contra a mudança constante do gelo marinho, nevascas e temperaturas chegando a -18°C. Conseguimos o que muitas pessoas diziam ser impossível."

FMHT and National Geographic
O quebra-gelo Agulhas encontrou condições de gelo favoráveis ??num ambiente ainda hostil

Onde o navio foi encontrado?

O Endurance foi avistado no Mar de Weddell, a uma profundidade de 3.008m.

Por mais de duas semanas, submarinos vasculharam uma área de busca predefinida, examinando vários alvos possíveis, até finalmente descobrir o local do naufrágio no sábado — 100º aniversário do funeral de Shackleton.

Desde então, foram feitos registros fotográficos detalhados das madeiras e do campo de detritos ao redor.

O naufrágio em si é um monumento designado sob o Tratado Internacional da Antártida e não deve ser perturbado de forma alguma. Nenhum artefato foi, portanto, trazido à superfície.

BBC

O que os submarinos viram?

O navio tem a mesma aparência de quando foi fotografado pela última vez pelo cineasta de Shackleton, Frank Hurley, em 1915.

Os mastros estão abaixados, o cordame está emaranhado, mas o casco está bastante coeso. Algumas avarias são evidentes na proa, presumivelmente onde o navio atingiu o fundo do mar. As âncoras estão presentes. Os submarinos avistaram até algumas botas e louças.

"Você pode até ver o nome do navio — ENDURANCE — arqueado em sua popa logo abaixo do balaústre (um corrimão perto da popa). E abaixo, a brava Polaris, a estrela de cinco pontas, em homenagem à qual o navio foi originalmente chamado", disse Mensun Bound.

"Você teria que ser feito de pedra para não amolecer ao ver aquela estrela e o nome acima", acrescentou.

"Você pode ver uma escotilha que é a cabine de Shackleton. Nesse momento, você realmente sente a respiração do grande homem na nuca."

FMHT/National Geographic
Animais que se alimentam por filtração colonizaram o naufrágio

Que tipo de vida colonizou o navio?

Curiosamente, o naufrágio foi colonizado por uma abundância de vida — mas não do tipo que o consumiria.

"Parece que há pouca deterioração da madeira, indicando que os animais que se alimentam de madeira encontrados em outras áreas do nosso oceano não estão, talvez sem surpresa, na região antártica sem florestas", comentou a bióloga marinha polar, Michelle Taylor, da Universidade de Essex, no Reino Unido.

"O Endurance, que parece um navio fantasma, está salpicado com uma impressionante diversidade de vida marinha do fundo do mar — ascídias, anêmonas, esponjas de várias formas, ophiuroideas e crinóides (parentes de ouriços e estrelas do mar), todos se alimentam por filtração das águas frias e profundas do Mar de Weddell."

SPRI/Uni of Cambridge
Shackleton (à direita) olha para os restos avariados do navio pouco antes de ir para as profundezas

Por que este navio é tão valorizado?

Por duas razões. A primeira é a história da Expedição Transantártica Imperial de Shackleton.

O explorador anglo-irlandês partiu para fazer a primeira travessia terrestre da Antártida, mas teve que abandonar a missão quando o Endurance ficou preso e depois foi perfurado pelo gelo marinho.

A partir de então, foi uma questão de sobrevivência. Shackleton de alguma forma conseguiu colocar seus homens em segurança, e pegou um pequeno bote salva-vidas no mar revolto para obter ajuda.

A outra razão foi o próprio desafio de encontrar o navio. O Mar de Weddell está permanentemente coberto por uma camada de gelo marinho espessa, o mesmo gelo marinho que rompeu o casco do Endurance.

Chegar perto do suposto local do naufrágio já era difícil o suficiente, quanto mais realizar uma busca. Mas aqui também reside parte do sucesso do projeto FMHT.

No mês passado, foi registrada a menor extensão de gelo marinho da Antártida já observada durante a era dos satélites, que remonta à década de 1970. As condições eram inesperadamente favoráveis.

FMHT/National Geographic
Um dos submersíveis retorna à superfície após mergulhar nas profundezas do Mar de Weddell

O Agulhas encerrou o levantamento do naufrágio e deixou o local de buscas na terça-feira. O quebra-gelo está indo agora para seu porto de origem na Cidade do Cabo. Mas a intenção é ir até o Território Ultramarino Britânico da Geórgia do Sul, onde Shackleton está enterrado.

"Vamos prestar nossos respeitos ao 'Chefe'", disse Shears, usando o apelido dado pela tripulação do Endurance ao seu líder.

Getty Images
O 'Chefe' está enterrado em Grytviken, na Geórgia do Sul

Todas as imagens do naufrágio são cortesia do Falklands Maritime Heritage Trust e da National Geographic.


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