GUERRA NO LESTE EUROPEU

O martírio dos civis

Pelo segundo dia seguido, cessar-fogo é desrespeitado, deixando milhares de pessoas reféns e cidades sitiadas. Falta água, comida e energia. Corpos estariam sob escombros, denuncia a população

Pelo segundo dia consecutivo, o cessar-fogo anunciado na sexta-feira passada foi desrespeitado, deixando os civis de Mariupol, no sul da Ucrânia, presos na cidade portuária. Segundo a Cruz Vermelha, no 11º primeiro dia da invasão pela Rússia, a tentativa de retirar 200 mil pessoas foi interrompida, "em meio a cenas devastadoras de sofrimento humano". Em Vinnytsia, onde seria feito outro corredor para garantir a segurança da evacuação dos moradores, o aeroporto foi destruído. Noventa por cento dos prédios municipais foram reduzidos a pó, com corpos sob os destroços. Nas duas localidades, milhares estão sem eletricidade e com pouco estoque de comida e água.

"O corredor para evacuar a população civil não deixou Mariupol porque os russos reagruparam suas forças e começaram a bombardear a cidade", disse o governador da região, Pavlo Kirilenko, no Facebook. Por sua vez, o presidente russo, Vladimir Putin, culpou "nacionalistas ucranianos" pelo fracasso da operação, o que também teria impedido a tentativa anterior, no sábado, segundo o líder russo. Em uma conversa por telefone de uma hora e 45 minutos com o presidente francês, Emmanuel Macron, Putin negou que seu Exército tenha civis como alvo. 

Estratégico

Mariupol, um porto estratégico no Mar de Azov, está sob intenso cerco russo. O prefeito da cidade, Vadim Boitchenko, disse em uma entrevista publicada no YouTube que "Mariupol já não existe" e que há milhares de feridos. A queda da localidade representaria um ponto de virada na guerra, porque permitiria à Rússia unir as tropas que avançam a partir da península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014, com as forças que entram no país a partir da região de Donbass, no leste. "O objetivo do inimigo é cercar cidades-chave e criar uma catástrofe humanitária", escreveu o secretário do Conselho de Segurança ucraniano, Oleksiy Danilov, no Facebook.

Enquanto isso, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, denunciou que as tropas russas estão se preparando para bombardear Odessa, o principal porto da Ucrânia, onde vivem cerca de 1 milhão de pessoas. Nas redes sociais, o líder fez um emocionado discurso. "Não perdoaremos pelas centenas e centenas de vítimas. E Deus não perdoará. Nunca."

Destruição

Na capital Kiev, os bairros operários próximos, como Bucha e Irpin, já estão na linha de fogo, e os últimos ataques aéreos convenceram muitos moradores de que chegou o momento de fugir. "Eles estão bombardeando áreas residenciais, escolas, igrejas, prédios, tudo", lamentou a contadora Natalia Didenko, em entrevista à agência France Presse.

Em Bilohorodkal, as tropas ucranianas colocaram explosivos na última ponte que permanece de pé, para tentar frear a ofensiva russa. "Essa é a última ponte, vamos nos defender e não vamos permitir que cheguem a Kiev", afirmou um combatente, que se identificou apenas como Casper.

Em Chernihiv, uma cidade próxima da fronteira com Belarus e Rússia, dezenas de civis morreram. "Havia corpos por todos os lados. As pessoas estavam esperando para entrar na farmácia aqui e estão todas mortas", disse à France Presse um homem que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, Serguei, em meio ao barulho das sirenes de alerta. Apesar de Moscou afirmar que não ataca áreas civis, correspondentes da agência de notícias disseram ter visto cenas de devastação no local.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 351 civis morreram na Ucrânia, e mais de 700 ficaram feridos. Para o alto comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, o exílio forçado de 1,5 milhão de pessoas do país representou "a crise de refugiados mais rápida na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial". Já o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, disse, ontem, que são "muito credíveis" os relatos de crimes de guerra cometidos pelos russos.

Moscou afirma que perdeu 498 soldados até quarta-feira, em comparação com os 2.870 mortos no lado ucraniano. Kiev, por sua vez, afirmou ter matado 11 mil soldados russos, sem divulgar suas baixas militares. Os números, porém, são impossíveis de verificar de forma independente.